03/08/2007

[3] O Moinho das Sapatilhas


- Onde é que estiveste, Maria? Que eu andava aflita à tua procura!
- Estive a dormir… – Desculpei-me.
- Muito dormes tu! Porque é que não dormiste aqui, na cama do Álvaro?
Encolhi os ombros. Ela ficou a pensar que eu tinha ido para minha casa, dormir na minha cama, sem lho comunicar.
A minha tia é uma mulher grande. É por isso que tem uma alma grande, assim do tamanho dos seus braços. A casa dela é ao lado da minha e é um pouco minha também, pois é aqui que passo a maior parte do meu dia.
Na minha casa nunca está ninguém e a minha mãe não tem tempo para mim, e na da minha tia é só ela e eu. O tio faz trabalhos de carpintaria para outras pessoas, sai de manhã e só volta à noite, e o meu primo Álvaro está no Seminário. Por isso, todo o mimo da tia é para mim.
A casa da tia é enorme, com um grande jardim e um terraço por cima da garagem, onde estamos agora.
A tia estende a roupa na corda que está à volta do terraço, enquanto eu perco os olhos ao longe. Os meus olhos vão ficando cheios com toda a maravilhosa paisagem que captam. Conseguem vislumbrar, para lá dos pinhais que se estendem a sul, as velas enfunadas de um velho moinho de vento que, imagino, encerra em si toda a espécie de contos de fadas e histórias mirabolantes de príncipes e princesas.
- Para onde é que estás a olhar tanto?
- Olhe, tia… – aponto com uma réstia de sonho – é o Moinho das Sapatilhas!...

(Publicado em: Memória Alada, 2011, pág. 13)

02/07/2007

[2] A eira

Ergo-me ao sol, como um malmequer desejoso de ser beijado por ele!
Este vai alto e ofusca-me. Olho em meu redor e apercebo-me do quanto sou feliz neste espaço de brincar.
Bem, não é um sítio feito para se brincar. É a eira, a minha eira com o seu muro circular recheadinho de abóboras. O lastro está agora vazio e no telheiro repousam os restos da palha do milho, sobre a qual me dou conta de ter adormecido. Como é que tal foi possível?
- Estou aqui, tia...
Fico ainda mais um pouco. A tarde está quente, de um sol escaldante e resplandecente que me turva os olhos claros, que não conseguem suportar tamanha luz. Fecho-os e procuro lembrar-me como é que vim parar aqui. Será que ainda estou a dormir e isto é um sonho? Não… não pode ser!

(Publicado em: Memória Alada, 2011)

01/06/2007

[1] Abrindo os Olhos

Ouço alguém a chamar-me...
Ao longe esvoaçam milhafres, num céu tingido de um azul sereno.
Que horas serão? Ainda estremunhada, não quero acreditar que adormeci neste lugar onde passo as tardes, rodeada de um verão de luz e cor...

(Publicado em livro: Memória Alada, 2011, início)


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