- A Matemática é coisa para homens. – Respondeu a Júlia à minha pergunta sobre as notas dos testes.
Faltei uns dias às aulas porque estive doente com papeira e tive que ficar em casa. Por isso hoje, de regresso a estas lides, perguntei, ansiosa, às colegas pelas notas dos testes. Fiquei a saber que, no geral, não foram lá grande coisa e que tive negativa no teste de Matemática.
Negativa?!... Não queria acreditar, mas elas insistiam. Como era possível ter negativa se o teste me tinha corrido bem? Se eu achei as equações e os problemas tão fáceis e os resolvi como se fossem a coisa mais simples deste mundo? Desconsolada e nervosa não via a hora de saber o que é que tinha errado.
Tocou para a entrada e, desta vez, fomos para uma sala do primeiro andar. Geralmente temos sempre aulas no rés-do-chão, logo na primeira ou, por vezes, na segunda sala porque na turma há uma menina, a Ana, que anda de muletas. Tem um aparelho no corpo todo por causa de uma doença que teve em bebé e que lhe causou aquela deficiência. Todas a ajudamos, mas ela habituou-se a isso e parece que anda a abusar de nós. Começou a ficar muito teimosa e só quer que lhe façam todas as vontades. Há dias atirou com as muletas para longe porque se chateou com uma das colegas. Hoje duas empregadas tiveram que a levar ao colo, pela escada acima, para que pudesse ir para a sala de aula, enquanto ela se debatia por teimar em ir sozinha. Às vezes não há quem a entenda! Mas também não sei por que nos levaram para o primeiro andar, se sabem desta dificuldade da Ana, mas decerto terá havido algum motivo forte.
Houve um ruge-ruge entre nós quando entrámos na sala. Era da parte da tarde, estava calor, e percebeu-se um odor abafado e estranho que nos empurrava para fora. Abriu-se logo as janelas; o burburinho tornou-se conversa aberta: que desagradável! Cheirava a rapazes.
- Silêncio, meninas! – Assim pôs, o professor, termo às conversas.
Não tardou muito para que ele se dirigisse a mim. Senti um enorme calor no rosto, prevendo a vergonha pela qual iria passar. Começou a colocar-me questões sobre os problemas e as equações do teste, ao que eu respondi sem ter dificuldade, segura do que respondia. Depois entregou-me o teste. Nessa altura tive a surpresa com que não contava: vinte valores!
Pois se eu sabia que me tinha corrido bem! Mas nunca pensei que fosse possível ter acertado tudinho. Por isso é que as colegas me mentiram, para ver como eu reagiria… se me atrapalhava… mas enganaram-se. Ficaram foi cheias de inveja! Ah! Mas foi muito bem feito!
Ainda há pouco, no recreio, me confrontaram novamente, perguntando-me se eu teria copiado. Copiado?! Eu não copiei! Nunca fiz isso! Mas como é que se copia num teste? E ainda, para mais, num teste de Matemática? E não têm saído de volta de mim, a querer saber como é que eu estudo… que lhes ensine a estudar Matemática. Mas aí, eu não tenho como as ajudar, pois também não sei. Eu, simplesmente, não estudo Matemática. Eu apenas faço os exercícios todos.
(Publicado em: Memória Alada, 2011)