Naquela tarde, o sol fervia-lhe antipaticamente nas têmporas, ao adentrar-se inconsequente no automóvel, estrategicamente estacionado, e feria-lhe de luz intensa os olhos: nem os óculos escuros lhe escondiam os raios vibrantes. Ainda no dia anterior lhe chovera de improviso e, poucas horas volvidas, um sol sem tréguas o despia de nuvens e se apostava a vesti-lo de fogo. E pensou que precisava de uma cortina de sombra, uma corrente de ar, uns pingos de chuva que o viessem refrescar: ardia.
Dali podia percorrê-la com o olhar quando saísse ou entrasse em casa. E enfim vira-a: bebera-a toda com o olhar. Tinha pensado que era quanto lhe bastava, mas encontrava-se pegado àquele assento, à espera de nova visão. Ela saíra, havia de regressar.
Quanto da vida se suspende de um contacto, ainda que só visual, à distância, mesmo que só um dos lados o saiba, o sinta, o aprecie!
Parecia tomado de febre quando levantou a cabeça para o espelho retrovisor e viu reflectido o seu rosto brilhante de suor, marcado pelo cansaço e pela indecisão. Viu-se o jovem que era, mas sentiu-se velho, ao notar as rugas a marcarem-lhe a testa. Sabia que era preciso construir o futuro, mas então, porque se detinha ante um passado que o prendia numa espécie de limbo, do qual não ousava sair? Queria olhá-la de longe, nem que só uma vez mais, e uma pequena felicidade lhe sorriria. Mas essa felicidade ser-lhe-ia suficiente? Se não podia ser de outra forma, sim, tinha de ser suficiente. Vê-la secretamente, saber que estava bem, encher-lhe-ia os olhos e acalmar-lhe-ia a alma.
Ainda desse modo se agitava quando a avistou de volta: magra, mas belíssima como a conhecera. Escorriam-lhe de cobre os cabelos levemente volteados sobre os ombros, enquanto que os olhos de luar se ocultavam por detrás dos óculos escuros – mas adivinhava-os – e eram fascínio e dor: promessa e recusa. Ali, ao alcance de uns passos: todo o seu tormento, a sua agonia – a sua vida.
Dali podia percorrê-la com o olhar quando saísse ou entrasse em casa. E enfim vira-a: bebera-a toda com o olhar. Tinha pensado que era quanto lhe bastava, mas encontrava-se pegado àquele assento, à espera de nova visão. Ela saíra, havia de regressar.
Quanto da vida se suspende de um contacto, ainda que só visual, à distância, mesmo que só um dos lados o saiba, o sinta, o aprecie!
Parecia tomado de febre quando levantou a cabeça para o espelho retrovisor e viu reflectido o seu rosto brilhante de suor, marcado pelo cansaço e pela indecisão. Viu-se o jovem que era, mas sentiu-se velho, ao notar as rugas a marcarem-lhe a testa. Sabia que era preciso construir o futuro, mas então, porque se detinha ante um passado que o prendia numa espécie de limbo, do qual não ousava sair? Queria olhá-la de longe, nem que só uma vez mais, e uma pequena felicidade lhe sorriria. Mas essa felicidade ser-lhe-ia suficiente? Se não podia ser de outra forma, sim, tinha de ser suficiente. Vê-la secretamente, saber que estava bem, encher-lhe-ia os olhos e acalmar-lhe-ia a alma.
Ainda desse modo se agitava quando a avistou de volta: magra, mas belíssima como a conhecera. Escorriam-lhe de cobre os cabelos levemente volteados sobre os ombros, enquanto que os olhos de luar se ocultavam por detrás dos óculos escuros – mas adivinhava-os – e eram fascínio e dor: promessa e recusa. Ali, ao alcance de uns passos: todo o seu tormento, a sua agonia – a sua vida.
(M. Fa. R. )