19/08/2011

Desfolhada


A madrugada e a manhã foram longas.
Aquece. Está quente. Cada vez mais quente. Tão quente de uma luz de fogo que doira.
Espigas de milho, loiras, reluzem na eira ao calor do sol.
À medida que estas haviam sido despidas das camisas, logo cestos as tinham aparado para, depois de cheios, serem levadas para a eira e estendidas ao sol a corarem como oiro.
Era uma montanha enorme, que custou a vencer.
Os milheiros tinham sido cortados da terra com foicinhos, um a um, dias antes. Também me calhou a mim, para aprender, mas os canoilos eram grossos e a minha habilidade não era nenhuma. Cortei-me num dedo. A mãe disse que saíam por lá as tripas grossas. E “vai-te embora, vai-te embora… que não sabes fazer nada.”
Não percebi isso das “tripas grossas”, assim como há muitas outras coisas que não percebo, e depois riem-se de mim por eu não perceber, mas também ninguém me explica nada, e uma pessoa não nasce ensinada. E não é verdade que eu não saiba fazer nada, chateia-me que me digam isso, é só que há trabalhos a que não estou habituada. Mas a mãe tem a mania de me comparar com as outras raparigas que têm à volta da minha idade, que começaram a trabalhar ainda crianças e que, por isso, trabalham como “gente grande”, como ela diz, e que eu não presto para nada. Eu não lhe levo a mal de ela me dizer que não presto para nada, porque penso que percebo o que ela quer dizer: que sou muito miúda e franzina e assim não tenho força nenhuma. É que ela nunca teve jeito para as palavras.
Enrolei um lenço no dedo, por causa do sangue que escorria, e fui para casa, mas isso já passou e hoje já deu para ajudar a descamisar o milho.
Foi o ti Joaquim Fernandes que trouxe todo o milho na palha, em várias carradas de carro de bois, para o troço da oliveira ao pé da adega da nossa antiga casa. É aí que está a eira. Ontem à noite juntou-se um grande grupo à volta da montanha de milheiros e deram-lhe um grande avanço, à luz da lua e do petromax. Hoje começámos cedo. A tia e a madrinha vieram ajudar-nos, à mãe e a mim, e acabámos com o que faltava. O pai tinha-me arranjado, de um pau de moita, um bico para descamisar as espigas, e eu desenrasquei-me muito bem.
Agora cheira a espigas de milho acabadas de desfolhar. Um cheirinho tão bom e doce, que o sol espalha por aí além.

21 comentários:

AC disse...

Lembro-me vagamente de uma ou outra desfolhada, e da tagarelice bem humorada que proporcionava. Para os pequenos era sempre motivo para mostrarem que já ajudavam, e o milho-rei animava sempre as hostes de uma forma peculiar...
Gostei de lhe sentir o aroma nas palavras.

Beijo :)

Maria Luiza disse...

Que beleza seu escrito. No final já não entendi, mas entendi que vc foi à uma colheita de milho e por ser franzininha, miudinha, não conseguia fazer algo e após ter o dedo cortado, você foi para casa. No dia seguinte vieram parentes para ajudar a ...não sei.... rsrsrs!Mas eu amo ler essas coisas, pois me força o cérebro!
Fá, que o seu final de semana seja muito bacana, mesmo!. Bjbj!

Evanir disse...

Nem somando todas as minhas dúvidas e incertezas
não deixarei de seguir sempre em frente.
Não é duvidas que trago no meu coração,
mais uma convicção de que vencerei todos os obstaculos
que hoje paresse não ter fim.
Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem
perder o que temos de melhor em nós a fé
,,bem maior que temos em nossas vidas.
E isso não vou perder nunca.
Hoje só quero deixar muito amor e carinho
pois você mereçe tudo de bom
nessa vida.
Estarei aqui sempre que Deus me permitir
você tem contribuido para que
a cada dia me sinta mais forte.
Creio posso viver melhor
e muito mais feliz com seu carinho.
Deus abençoe seu final de semana beijos no coração,Evanir.
Muita paz no coração.
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
Se queremos progredir, não devemos repetir a história,
mas fazer uma história nova.(Mahatma Ghandhi)

antonio ganhão disse...

Doces memórias, de oiro..

Carla Fernanda disse...

Lindas....lembranças....ternas....
eternas....doce....muito doce...
Beijos doces!!
Carla

anad disse...

Vou para a Índiaaaaaaaaaaaaaaaaaa no dia 29 e só volto a 15 de Setembro.
Beijinhos
Anad

Lilá(s) disse...

Nunca tive a oportunidade de ver ou participar numa desfolhada! que maravilhosa a tua descrição!
Bjs

O Árabe disse...

Gosto muito desses teus textos, amiga; para mim, têm realmente o cheiro e o sabor do campo. De uma vida simples e pura, que perdemos um pouco mais a cada dia! Boa semana, fica bem.

Smareis disse...

Que lindo texto amiga. Sinto cheiro de terra molhada, perfumes das flores, e um lindo lindo caminhos trilhando nas montanhas. É assim que sinto quando leio seus textos.Deixo um beijo grande e desejo de um ótimo de semana. Abraço!
Smareis

Álvaro Lins disse...

E as espigas de milho não causam alergia:)?!
Bjo

ALUISIO CAVALCANTE JR disse...

Querida amiga

Quando as palavras
nos transportam
ao lugar de que nos falam,
elas se tornam preciosas...

Viver é sentir os sonhos
com o coração.

Carla Fernanda disse...

Passando para te deixar um bom dia!
Carla

Petrus Monte Real disse...

Amiga Fa,

Senti-me transportado até à infância.
Descrição perfeita duma vivência que parece actual!
A espiga vermelha era uma espécie de tesouro guardado para quem mais "descascava" -sic.

Mais uma bela página solta (mas
ligada a outras com que recentemente nos tens contemplado!)

Bom fim de semana

Tenho um desafio para ti
no 'a partir da lua'. Compreendo se não puderes aceitar.

Beijinho

Fá menor disse...

E que alergia, Álvaro Lins, que alergia... aquela palha de milho arranha que se farta!!!

___

Petrus,
pode ser que eu aceite, mas no 'Partilhas em Fa menor'... (sem compromisso).

___

Obrigada a todos pelas vossas palavras.

Isabel Maria Rosa Furtado Cabral Gomes da Costa disse...

E caminhando, vamos transpondo os obstáculos com que deparamos e contornando os escolhos do caminho.
Um beijo.

Luna disse...

lembrei-me quando era pequenina pois a minha mãe tambem me dizia "olhaque daí saem as tripasgrossas pois as pequeninas não cabem lá" era mesmo estranho ...
beijinhos ternos

Ailime disse...

Amiga Fá,
Senti-me transportada para muitos anos atrás e fico a recordar os cheiros e a lembrar as pessoas que nesse tempo me envolviam com tanto carinho apesar de ser muito desajeitada :))
Explêndido texto.
Beijinhos,
Ailime

Olinda Melo disse...

Olá, Fa

Este texto leva-nos ao encontro de coisas vividas, de cheiros e sabores, especialmente, de maçarocas assadinhas na brasa com grãos ainda de leite...Acho que não é este o caso no que vem descrito, mas assaltou-me logo esta saudade.

Beijos

Olinda

O Árabe disse...

Aguardo o novo post; boa semana, entre as douradas espigas. :)

Nilson Barcelli disse...

Ah que saudades este texto me causou...
Para as desfolhadas, eu levava sempre no bolso uma espiga vermelha, para o caso de aparecer alguma moçoila bonita... mesmo daquelas que até cortavam os dedos e a quem as tripas ameaçavam sair pela ferida...
Beijos, querida amiga.

Fá menor disse...

Nilson, isso era batota...
:))
Bjos



_
Obrigada, a todos!
Bjos

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