24/09/2014

Arrepiar Caminho IV


O receio faz ganhar coragem. É hora de voltar atrás. Há que voltar para trás enquanto se pode. Vamos voltar. Para trás é agora o caminho. Dou meia volta e começo a marchar em ritmo acelerado, mas sem correria para não tropeçar. Já se faz tarde, mas ainda tenho tempo. 

Está ali o outro caminho que não escolhi há pouco, e se o experimentasse agora? Não. Não é tempo de uma experiência em cima de outra; vou pelo caminho mais seguro, aquele que conheço, o que me trouxe até aqui; será que ainda saberei voltar por ele? Decerto que sim, ainda consigo reconhecer os arbustos da beira do caminho e os trilhos dos tractores. Mistérios luminosos.


Em tal dia, 
Muitas noites depois da solidão, 
Morreram os meus olhos.

E as minhas mãos perderam 
O gosto abundante das uvas. 
Os meus lábios o ritmo do mar. 
Os meus ouvidos a suave brandura 
Que tece a tua voz.

Entretanto, por estes dias, 
Pararam o tempo e as ondas. 

E a criação inteira ficou 

Quieta 
À minha espera. 
(José Maria Brito Sj)


Vai descendo o crepúsculo sobre a minha marcha; abro mais os olhos e não olho para trás. O caminho vai-se abrindo à minha frente, é agora estrada de areia lavada pela chuva, escorrida pela brisa. Desço depois o empedrado da curva da estrada. O cão distraiu-se com alguma coisa, talvez um rato ou um coelho, e ficou para trás; dou-lhe dois assobios mas não espero por ele. Ele acabará por vir ter comigo. Sinto calor, por causa do passo apressado, mas não estou cansada. A roupa cola-se-me ao corpo e eu sinto-me bem, apesar de agitada, sei que fiz a escolha certa. Lá para trás deixei a curva da estrada. Não chegarei com sol, mas não me faltará luz.

Depois da descida volto à esquerda e caminho agora em terreno a direito. Chego à pequena subida, solto mais outro assobio e continuo. Dali a um bocado ouço ofegar atrás de mim – aí vem ele, cansado da correria. Passou-me à frente devagar, chamo-o e mando-o parar e ele obedece; ponho-lhe a trela para não nos perdermos um do outro, agora que é quase lusco-fusco. E ali está, à nossa frente, o asfalto debaixo do poste de iluminação. 
Terceiro Mistério Luminoso – Jesus anuncia o Reino de Deus e convida à conversão.

16 comentários:

Ives disse...

Que post iluminado, amei! Ameis a poesia, também! Abraços

Nilson Barcelli disse...

Na aventura do desconhecido, quando é demasiado grande, a prudência aconselha o retorno ao caminho anterior, a arrepiar caminho...
Continuo a gostar, mas não sei se terminou...
Tem um bom resto de semana, querida amiga Fá.
Beijo.

Ailime disse...

Boa tarde Fá,
Como sempre brinda-nos com a sua excelente escrita!
Caminhos divinos, caminhos que como termina nos convidam à conversão e no meu caso a reflexão e bem profunda!
Um beijinho,
Ailime

Vanuza Pantaleão disse...

Bonito, Fá!
Escreves sempre tão bonito...
Beijos, amiga e obrigada pela visita no Matagal!

SOL da Esteva disse...

As jornadas são feitas por Caminhos que a Alma guia e conduz.
É bom e agradável conhecer um Caminho seguro e como o trilhas com Confiança.


Beijos


SOL

Parapeito disse...

È bom quando se pode voltar atrás...Haja vontade e fé...
Gostei de ler e sentir.
brisas doces **

Berço do Mundo disse...

Uma jornada, com um quê de espiritual, que a melodia só acentua. A doçura que a Fá coloca nas palavras sente-se deste lado do ecrã...
Lindo demais, como esse ocaso.
Obrigada minha querida
Ruthia d'O Berço do Mundo

Ana Freire disse...

Três pedacinhos de escrita deliciosa... que nos fazem sentir... estarmos a percorrer tais caminhos... de forma serena e bem pensada...
Adorei todos, Fá! Beijinhos! Bom domingo!
Ana

Majo Dutra disse...

Os cães não se perdem de noite... é o olfato que os guia...
Gostei muito do texto, mas não percebi a conclusão.
A poesia é belíssima.
Agradeço a leitura.
Beijinho
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Fá menor disse...

Olá, Majo!
Muito grata.
Este episódio vem na sequência de outros e tem continuação. No separador "Folhas sustidas" encontra-se o que já está aqui publicado, talvez seguindo a sequência se perceba melhor o contexto de algumas frases.

Beijinhos.

By Me disse...

Sublinho; Já se faz tarde, mas ainda tenho tempo.
Não chegarei com sol, mas não me faltará luz.

Gostei do texto, no todo. Da poesia de José Maria Brito. Remata bem! Em cada "poste" luminoso, Deus espera pela nossa conversão.

Cuida-te, amiga!

Beijinhos

MARILENE disse...

Um lindo texto, parte dessa caminhada que vem descrevendo. Passar por onde já se andou traz mais segurança. Encontrar a luz, esperança. Bjs.

O Árabe disse...

Como sempre, Fa, os teus textos nos convidam à reflexão e me trazem variadas ideias. Quantas vezes, amiga, não optamos pelos caminhos que já conhecemos, em nome da segurança... e assim, nos privamos de conhecer novas paisagens! Meu abraço, boa semana,

Porventura escrevo disse...

Perseguir mesmo a luz com paixão

Sérgio Santos disse...

Lindo post!!!

Fatyma Silva disse...

Que belissimo texto e o poema, devemos seguir pelos caminhos da Luz Divina. Esse é o caminho.

Tenha uma boa semana, amiga Fá.
Beijinhos

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