13/11/2014

Subir o Caminho II


Acordo cansada. Com o coração a querer saltar-me para fora do peito. Há dois dias que ando cansada. Um cansaço em estado crescente a escrever-me no corpo rimas de todas as coisas e de coisíssima nenhuma. Sinto-me quase apática, quase sem qualquer vontade. Como se se tivesse levantado, à minha volta, uma nuvem de pó desta cruzada. O que quererá o corpo falar-me? Há, por vezes, palavras tão difíceis de se deixarem agarrar… e entender. 

Quem me dera uma chuva miudinha que me refrescasse a fronte latejante, que orvalhasse o pó do caminho. Que bom seria sentir o cheiro a terra molhada, para que esta penitência fosse menos custosa, um pouco menos pesada, menos severa; mais airosa, mais suave… mais lavada. 

É assim, no meu amargo soluço, que a madrugada me encontra, começando a espreitar-me, avidamente, por debaixo da porta. Primeiro, uma nesga de claridade, depois um céu aberto. E entra no quarto uma sinfonia de luz, recortada a chilreio da passarada. Percebo que as estrelas lá fora, no céu, já se despediram da noite, e está agora o dia a ser torneado pelo sol. E o meu corpo a pedir mais repouso, sem se atrever a levantar! 

O dia ergue-se e enche toda a casa, pássaro louco a esvoaçar esbaforido numa madrugada de Verão, sacudindo as asas e agitando tudo com elas. A manhã a esticar as penas, a espanejar as asas ao sol. E eu a encolher-me, a preguiçar, sem me apetecer espreguiçar-me, mole, apesar da luz intensa do sol a enfiar-se-me pelo quarto, pela cama afora, pelos lençóis adentro; apesar das vozearias da passarada, das labutas a começar lá fora. 

Maldito cansaço que me prega à cama, que não se desprega de mim. 


Há dias em que o sol nasce quadrado, 
em que o fogo gela 
e em que a maré está vazia 
de vontade de a encher 

Há dias em que o silêncio ensurdece, 

em que o amor perde a coragem 
e em que o norte perde o rumo. 

Nestes dias, 

há uma alma angustiada 
que clama por consolo 
mas o vento cala a sua voz. 

A esperança esmorece, 

a força desvanece, 
a fé hesita, 
a luz apaga-se. 

Nesta noite escura, 

que me sufoca a alegria 
e me impede de respirar a Tua paz, 
que eu saiba perseverar no meu caminho, 
mesmo sem saber qual é. 

Que eu saiba ter paciência 

e manter acesa a chama da confiança, 
mesmo sem saber porquê. 

Que eu saiba acreditar que nela permanecerei, 

impotente e só, 
apenas o tempo que for necessário…
(Raquel Dias, Há dias assim, em: Renascer Do medo à confiança)

15 comentários:

Daniel Aladiah disse...

Querida Fá
Há dias assim, e outros que não. Abrir as janelas, quando as portas se fecham, mas nunca deixar que o tolhimento se instale.
Beijo
Daniel

Nilson Barcelli disse...

Um ataque de preguicite aguda...?
Mais a sério, gostei imenso do teu texto. Como sempre, aliás.
Tem um bo fim de semana, querida amiga Fá.
Beijo.

SOL da Esteva disse...

Um excelente texto teu e Poema da Raquel Dias a completar.
Parece que tudo se conjuga no tempo dos sentires; as Palavras (e frases) essas é que têm dizeres diferentes, dizendo o mesmo.
Ter paciência, é pouco; tem Fé...



Beijos


SOL

O Árabe disse...

É muito bom caminhar contigo, Fa; com ou sem preguiça, gosto da sinceridade e da poesia com que nos apresentas o caminho. Boa semana, amiga!

Ana Tapadas disse...

Uma conjugação perfeita o teu texto e o poema de Raquel!

Beijo

Vanuza Pantaleão disse...

Que quererá o corpo falar-me?
Há dias em que me faço a mesma pergunta.
Inteligente e sensível.
Carinhos, Fa!

Existe Sempre Um Lugar disse...

Boa noite, temos dias que andamos angustiados sem sabermos porque motivo, nem sempre conseguimos ter motivação e cabeça fria para enfrentar o sol quadrado.
AG

madrugadas disse...

Bom dia
Foi bom estar aqui nesta madrugada e tentar beber as tuas sedes de chuva nos dias em que tudo mos pesa, nos rasga, nos ensurdece.
Um texto demasiado belo onde parece sentir-me bem pela luz que espreita e me refresca.

alfacinha disse...

Um texto belo e o poema também gostei de ler
bjos

Diná Fernandes disse...

Há dias que eu não quero fazer nada, mas não permito que a escuridão penetre nas minhas retinas.
Gostei de ler-te!
Boa noite amiga. Bjss

Olinda Melo disse...


É mesmo, há dias assim, em que temos de nos
superar qualquer que seja a hora.
Dentro de nós encontraremos a paz e a força
para que isso aconteça.

Beijo
Olinda

Ana Freire disse...

Há dias assim... e anos assim... Lembro-me que quase todo o ano de 2020, estive assim... com um cansaço inexplicável... dando meia dúzia de passos e mal respirando... certamente sintomas de covid longo. Creio tê-lo apanhado em princípios de Janeiro... quando supostamente apenas teria chegado a Portugal em Março... tendo ele sido descoberto nas águas residuais de Itália, em Março de 2019, bem antes de ter florescido na China, pelo fim do ano. Ainda não nos contaram toda a história sobre esta virose... que semanalmente, continua a fazer um estrago danado, entre idosos e frágeis... mas outras notícias passaram a fazer manchetes de jornal e televisão...
Um texto e um poema em que me revi por completo! Afinal desde essa altura, fiquei aqui com mãe em casa... presa às circunstâncias... desanimada, totalmente afastada das suas rotinas habituais... pois com uma insuficiência cardíaca e respiratória crónicas, e depois de ter recuperado de uma crise aguda, com algumas sequelas... podem não haver muitas mais segundas oportunidades...
Supostamente com as vacinas tudo deveria estar melhor... mas não é que optou o nosso país, por encabeçar a lista mundial de casos e vitimas... que só abandonámos há 3 semanas?... E é neste intervalo que nos próximos dias, vou tentar deixar as consultas e exames de rotina de mãe em dia... pois a virose... anda a rejuvenescer a população... e com a chegada do Outono... começa novo ciclo de incertezas... e impossibilidades para ela.
Antigamente havia um filme cujo título era "Este país não é para velhos..." Agora o resto do mundo, parece ter passado a funcionar na mesma lógica... como se a juventude eterna, já tivesse sido descoberta em forma de elixir...
Dai, que me continue também a identificar com o estado de espírito, que este formidável poema reflecte!... Esta nova "normalidade", continua a deixar-me desanimada... sobretudo quando tenho de animar alguém... a ter paciência, esperança e confiança... um dia de cada vez...
Gostei imenso deste post, que já me fez divagar... e aliviar um pouco da carga diária...
Um beijinho, Fá! Estimando que tudo esteja bem, aí desse lado!
Saúde para si e todos os seus! Tudo de bom!
Ana

MARILENE disse...

Há dias assim, realmente, nos quais o desânimo se instala como se fosse dono de nós.Você escolheu um poema muito apropriado. Bjs.

Kinga K. disse...

Muito lindo :)

Porventura escrevo disse...

Há de facto dias assim. Que quase nos escapam ao controlo
:-)

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