10/12/2017

Presépio na Montra I - Nem que chovesse


O dia tem estado chuvoso. Uma chuva miudinha molha-parvos, que deixa o tempo baço, tipo nevoeiro denso.

Depois do almoço, observei, pela janela, que o fusco do dia estava a querer aliviar, a raiar uma pequena luminosidade. Sim, parecia uma aberta. Saí à rua para confirmar se não chovia. Era, de facto, uma aberta e tinha de aproveitá-la. Calcei as botas e vesti uma capa impermeável para o caso de a chuva voltar. Peguei numa caixa de papelão e fiz-me ao caminho.

Sabia onde o encontrar. Lá em baixo, para lá da curva da estrada, a seguir à ladeira. E lá estava ele, em manchas verdes, na barreira inclinada. Pousei a caixa de cartão e toquei com as mãos aquele tapete luzidio de musgo fofo e húmido; mas não estava muito encharcado quando arranquei um pedaço grande, com muito cuidado para não se despedaçar. Queria-o o mais inteiro possível, mas sem ser maior que o tamanho da caixa.

Depositei-o no fundo do caixote e arranquei mais até o encher de alto coruto. Não me demorei muito nesta tarefa. O musgo era abundante ali, eu já o sabia.

Carreguei esse volume pela estrada acima, mas tive de parar algumas vezes pelo caminho, pousando-o na berma da estrada molhada, para descansar um pouco. Estava a querer começar a chover de novo, tinha de me despachar. Ainda por cima o fundo da caixa começou a ceder com a humidade e o peso e… caramba!, rompeu-se quando o tentei levantar do chão depois de mais uma paragem. Baixei-o logo, não dando tempo a que o musgo se esgueirasse pelo fundo abaixo. Tinha-lhe pegado pelas bordas do fundo, mas não era capaz de o abraçar todo com as mãos por baixo – ai, esta minha falta de habilidade… O que valeu é que já estava perto de casa. Deixei-o ali e fui a casa, direitinha à oficina do pai, à procura de algo que me desenrascasse. Encontrei uma pequena tábua fina e estreita – minha tábua de salvação – que seria pouco mais comprida que o caixote. Levei-a e enfiei-a por debaixo da caixa. Levantei o peso com algum esforço, agora parecia mais pesada ainda, ou seria do meu cansaço de andar para cima e para baixo, apressada com medo da chuva, que ameaçava. Mas nem que chovesse! Ele não ficaria lá.

Trouxe-o para casa, ainda antes que os pinguinhos miudinhos caíssem outra vez. Agora aqui está ele a postos para poder montar o presépio.

16/08/2017

Atalho no Silêncio


A vida é composta de tantos momentos! 
Por vezes andamos ao sabor das ondas, outras vezes somos nós que imprimimos o rumo ao nosso barco, e tantas vezes contra a corrente. 
Algumas vezes podemos ir no seu embalo, outras devemos resguardar-nos. É preciso que encontremos o equilíbrio. Não nos releguemos para segundo plano, porque não nos podemos deixar fraquejar perante as cantigas das ondas; recebamos os seus beijos mas recusemos o seu jugo. 
Por vezes também precisamos que mais Alguém pegue nos nossos remos e reme connosco ou por nós. Pois muitas vezes o vento embala-nos, mas outras fustiga-nos. Não podemos deixar que a fúria do vento nos seque a alma, mas antes, deixemo-nos impregnar da suavidade da brisa mais ligeira, para que sejam os nossos dias como seda pura. 

E há sempre alguma (in)transparência na nossa vida que nos aquieta os passos por momentos – mais ou menos longos. Importa conseguir ver a luz para lá de qualquer neblina. Observar a luz evita certas tormentas. 

Convém estarmos abertos à aprendizagem – há quem nunca aprenda! –, a vida permite-nos aprender, tantas vezes a duras penas. Somemos vivências, todas as vivências, e depois guardemos só o que for bom de guardar. 

Acima de tudo, devemos ter consciência do que valemos, de modo a manter os pés bem assentes no chão: nem subir às nuvens, nem enfiar-nos num buraco. Mesmo que chegue a hora em que nos sentimos entre o voo e as pedras do caminho; por vezes atalho no silêncio, grito mudo de penitência e ou contemplação. 

A infância teceu-nos alvoradas na alma, que mais tarde nos fogem das mãos gretadas. Não nos resignemos!

28/04/2017

Gaivotas II


"Uma gaivota voava, voava,
Asas de vento,
Coração de mar.
Como ela,
Somos livres,
Somos livres de voar."


O dia entardeceu nublado. Aproximei-me do mar para lhe sentir o fresco. O areal cheio de gaivotas pousadas na areia. 
Dizem que gaivotas em terra significa tempestade no mar. Que quando o mar está agitado, as gaivotas vêm para a terra. Será isso um sinal a avisar que vai haver tempestade no mar?... O povo também diz: Gaivotas pela terra adentro, sinal de mau tempo. Pressentirão elas o mau tempo? Não sei. Eu gosto de as ver, ao longe. São tão bonitas no ar! Quando voam são muito bonitas, e em terra também o são. Junto ao mar têm-me feito companhia, horas a fio, em dias óptimos e mar espectacular. E marcam a distância: se tento aproximar-me, lá vão elas em voo. São bonitas, ao longe. Fascinam-me com a sua beleza. 

Ontem também notei que havia algumas gaivotas onde o mar não é assim tão perto. Andavam à procura de alimento. Uma, que parecia ter uma pata ferida, pulando só na outra pata, ficava para trás. Fiquei com pena. 
Lembrei-me do rifão que também já ouvi: gaivotas por terra, ou fome ou guerra. Seja como for, gosto das gaivotas! São como todos nós, como todos os outros seres vivos empenhados na sua sobrevivência. Gostam de peixe, quando há. Quando não têm, comem o que encontrarem. 


Canto e recanto aquela canção da gaivota. Uma música simples, canção de embalar, que me emociona. No caminho das pedras é promissor - o que quer que venha, será, com certeza, melhor. A ingenuidade, se calhar, assim me o dita. Meus quinze anos – tempo de semear sonhos. 
Fecho os olhos para sentir os sonhos com mais intensidade, e para não sentir mais nada. 

Pois eu gosto das gaivotas! 
Espero que sejam felizes. Como elas, espero ser livre e feliz.

O tempo está bom para semear sonhos…

11/04/2017

Esforça o corpo, liberta a mente


Que bem se está à sombrinha, na espreguiçadeira, debaixo do telheiro, ao som do espanta-espíritos a tinir movido pela aragem. O reflexo da água do tanque, nas telhas a fazer ondas. O zumbido dos moscardos aqui na sombra; o pio de um pássaro lá em cima no azul do dia, talvez milhafre; borboletas brancas bailam voando para lá do muro… 
Há lírios roxos pela borda da parede da adega além; é Quaresma. Primeiro Mistério Doloroso: A agonia de Jesus no horto; Pai Nosso, que estais nos céus… – e a história daquele que foi mandado rezar o Pai-nosso todo, até ao fim, sem que o pensamento lhe fugisse para mais nada, sob o prometido de “se fores capaz dou-te uma junta de bois”, e ele a meio da reza pergunta se os bois viriam também com a canga?! Perdeu. E eu também me perdi. Perco-me sempre que rezo. O pensamento vagueia. Tantas vezes me fogem os pensamentos, que tenho de repetir as ave-marias e um ou outro mistério que já não sei se foi ou não rezado. 

Calço as sapatilhas e faço-me ao caminho, antes que seja mordida por algum moscardo.


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