29/04/2009

A Enchente

Parece que foi ontem e, no entanto, já passou algum tempo desde o início das aulas. Estamos a iniciar o segundo período e, vendo agora com algum distanciamento, aquela exclusão inicial, de que me senti vítima, parece-me ter sido tempestade num copo de água. Mas que foi um sentimento avassalador, que me transtornou imenso, isso foi. Contudo, este acabou por se ir esbatendo, até estar completamente erodido. Pouco tempo depois, acabei por comungar plenamente das actividades da turma, quer nas aulas, quer no recreio.
Agora, após uma pequenas férias, é altura de recomeçar.
A Helena, a Cidália e eu, vamos sempre no mesmo autocarro, de manhã. Hoje, ao chegarmos, deparámo-nos com a vila inundada. Choveu muito e os rios transbordaram, alagando toda a Várzea… e não só. A água chegou perto do colégio, mesmo à estrada onde temos de passar a pé. Parece o mar no espaço que fica entre os dois rios; estes nem se distinguem, tal a fusão das águas num único todo. O colégio - um prédio alto - lembra-me um farol, numa ponta de terra que quase toca esse mar. Cheguei lá com os pés encharcados. Nem outra coisa era de esperar: com a água a chegar à estrada era impossível passar sem molhar os pés, dado que a água atravessava a estrada em alguns pontos. Valeu-me levar na mala as sapatilhas de ginástica, senão ficava com os pés molhados o dia todo; mas até estas encharquei na volta para casa.
Isto fez-me lembrar um dia no regresso da escola primária: as valetas iam cheias de água, por causa das chuvas abundantes que tinham caído, o que me despertou a vontade de chapinhar. Não sendo capaz de resistir, mergulhei os pés, de galochas calçadas, pela valeta fora, numa caminhada compassada, amortecida por aquela água corrente. Sabia tão bem! Só que, num sítio mais fundo, as galochas acabaram por encher de água. Quando cheguei a casa, é claro que apanhei um grande ralhete da mãe, que teve que pôr as galochas a secar ao lume, uma vez que não havia sol.
Desta vez também não se vê o sol, nem o céu azul. É só nuvens cinzentas a ameaçar mais chuva. E apanhei outro ralhete da mãe. Mas desta vez não tive culpa.

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 publicação no Eremitério

17 comentários:

antonio ganhão disse...

As alterações ao nosso mundo marcam-nos sempre de forma profunda. A água tem um lado regenerador, mas para isso precisa de transbordar!

Fá menor disse...

A água que nos beija os pés também nos pode afogar...

tulipa disse...

Efemérides...
Dias internacionais...
Dias nacionais...
Para quê?
O pobre trabalhador tem cada dia menos razões para comemorar qualquer coisa. Infelizmente, aquilo que devia ser um direito de todos - o trabalho - transformou-se num artigo de luxo a que cada vez menos gente tem acesso.
Existem cada vez mais filas no centro de emprego, os filhos vão para a escola sem comer, e até correm o risco de perder as casas por não conseguirem pagar as prestações.
E o dia que devia ser uma comemoração de direitos adquiridos, é cada dia mais uma jornada de luta.

Bom fim de semana prolongado.

Jorge P. Guedes disse...

Um relato interessante à guisa de diário.

Saudações.
Bom fim-de-semana.

*Lisa_B* disse...

Querida amiga,
adorei o texto uma vez mais...

Já cá não vinha há tempos...não andava lá muito bem...

Hoje sinto-me feliz vi um sorriso lindo brilhar nos rosto do meu filho e senti-me tão bem que ando a correr todas as amigas e desejar um dia muito feliz como eu senti hoje...

Beijinhos com meu carinho

poetaeusou . . . disse...

*
linda
a culpa foi do Edil,
porque não mandou
limpar a tempo, as sargetas ?
,
conchinhas
,
*

vida de vidro disse...

Gosto de ir lendo esta tua história. Uma escrita simples e límpida. **

JC disse...

Por vezes somos surpreendidos com fenómenos atmosféricos dos quais não esperamos. Por vezes são graves e trazem consigo a desgraça.
Muita força para o iníio das aulas. Um bom segundo período.
Beijinhos

Unknown disse...

Fizeste-me lembrar a infância em que adorava as enxorradas, as trovoadas, ver as águas correndo violentamente pelas ruas íngremes da vila...Fizeste-me lembrar que adorava andar de " pata descalça" no meio da chuva e senti-la cair sobre a cabeça e molhar-me os cabelos. Adorava. E adoro. Beijos

Justine disse...

Consegues recrear o ambiente infantil de um modo quase cinematográfico. Encantador:))

O Profeta disse...

As andorinhas do Mar chegaram
Com alegria tatuada nas penas refulgentes
Soltam chilreados estridentes
Dançam no azul, rodopiam contentes

A maresia adormeceu na areia
O mar transformou-se em espelho de água
Uma nuvem mirou-se nele
Verteu uma última gota de mágoa


Bom fim de semana


Doce beijo

Å®t Øf £övë disse...

E ao que parece apesar de estarmos a caminhar a passos largos para o Verão, a chuva não nos larga, e lá vamos nós ter que gramar uma semana inteira cheia dela.
Bjs.

Kim disse...

Chapinhar na água era uma das grandes paixões da miudagem nos meus tempos de criança.
Infelizmente muitos não o podiam fazer porque ... não tinham botas de borracha.
Outros tempos, boas recordações!
Beijinho em Fá Sustenido!

J.P. Alexander disse...

Genial relato. te mando un beso.

Ana Tapadas disse...

Como sempre, um texto maravilhoso!
Tão bom ler-te!
Beijinho, minha amiga

Sérgio Santos disse...

Que texto bom, Fá!

Majo Dutra disse...

Também já passei pela experiência de uma cidade inundada
e aqui no Algarve...
Agora, passam as nuvens escuras para o mar e não cai água...
A seca agrava-se, a nossa grande barragem não recupera um nível aceitável...
Boa semana, Fá. Beijinhos
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