Hoje a mãe fez-me levantar cedíssimo. Se há coisa que não gosto é de me levantar cedo. Gosto de me deixar dormitar no quentinho até o sol entrar bem pela janela. Mas hoje, ainda o sol não tinha nascido, já ela me sacudia para que me levantasse. Que tinha que ser, que tínhamos de fazer uma madrugada a cortar trigo enquanto ele estava macio, que senão depois abria o sol e custava mais, porque o calor apertava e a palha ficava áspera. Caramba… ia ser duro. E logo eu que não tinha jeito nenhum com o foicinho! De que lhe iria servir o meu trabalho, se eu não faria nada que jeito tivesse? Já quando foi no tempo de cortar o arroz não consegui levar o eito para a frente como as outras mulheres (como se eu fosse uma grande mulher!...) e elas cortaram o meu eito na frente e deixaram-me sozinha para trás. Isso foi uma grande vergonha e humilhação, e elas fartaram-se de rir, mas se eu não conseguia acompanhá-las, não conseguia, pronto. Se elas fossem outras tinham-me dado um eito mais estreito.
Eu não me dou bem com este tipo de trabalho na agricultura. Mas a mãe é que é viciada, só gosta de andar na terra, até se esquecendo das horas. Por isso é que o pai, muitas vezes, se chateia e ralha quando ela não vem mais cedo fazer o almoço ou o jantar. E se eu experimento cozinhar uma vez por outra, nunca é conforme à vontade dela, porque não era aquilo que ela tinha em mente fazer, ou porque não saiu nada de jeito, ou porque não me tinha mandado, é sempre ralhete. Então para a outra vez não faço e ela que ouça do pai quando se atrasar.
Bem, lá me levantei e fui atrás dela de má vontade, ainda estava neblina e orvalho. Os caracóis andavam a passear pelo fresco da madrugada. As rolas arrulhavam de um lado e um galo cantava de outro. Eu perdia-me nessas contemplações, e a mãe: “Anda rapariga, que não é para ir a contar os passos!”
Mal chegámos, começámos na ceifa pondo o trigo cortado a descansar em molhos sobre o restolho. A mãe andara lá noutras madrugadas e já estava, por isso, uma grande área ceifada. Hoje era para cortar o resto. Dali a algum tempo tinha bolhas de água na mão direita, pelo trabalho com o foicinho. De nada me valeu queixar-me. “Isso é de não estares habituada. Tens que andar mais vezes… vá mas é depressa que isto não é trabalho só para mim.”
O sol começou a levantar-se e com ele começou a vir, mais intensamente, o aroma doce e agradável a palha cortada. Ah, e havia papoilas pelo meio do trigo. Havia papoilas pelo meio do trigo… Comecei a ficar mais alegre, talvez por isso, ou porque o sol sorria, ou talvez porque comecei a ver o campo de trigo, quase todo cortado, como um espectáculo fascinante.
E eu já só pensava que não faltava muito para terminarmos. E de tarde seria para ir à praia. A mãe tinha prometido.