Os ratinhos cresceram. E começaram
a olhar com maior insistência para o lado de fora. Algumas vezes mordiam as
grades com uma certa esperança de as conseguirem desfazer. Mas os seus
dentinhos não eram tão fortes assim que roessem aquele material, só faziam
barulho naquelas malditas grades. E chiavam uns com os outros, mas eram chiados
finos, quase gritos mudos a que os ouvidos dos donos não davam importância. Estes
pensavam que eles se andavam a divertir, quando o que eles faziam era ralhar e
lutar uns com os outros de tão descontentes que se achavam. É que, por vezes,
até se acabava a comida, pois a dona ainda não se apercebera bem de que eles
tinham crescido rapidamente e que precisavam de maior dose de alimento. Isso era
um inferno. E sonhavam alto com outra vida lá fora. Os olhos daquele gato-guarda não andavam por perto havia alguns dias, talvez ele se tivesse
cansado de os espreitar ou tivesse tirado uns dias de férias. Quem sabe, seria
uma boa altura para pôr em prática um plano de fuga… mas eles ainda não tinham
arranjado um plano. Agora começavam a perceber que estava mais do que na hora de pensarem
a sério nisso.
25/03/2024
23/03/2024
A Casa dos Ratos 5
(anterior)
(continua)
Elas chegaram, alegres e cheias de graça. Distraiu-se, o gatarrão, dos afazeres a que se tinha apostado. Vigiar os ratinhos cansava, e agora aquela música era-lhe familiar e querida, embora os seus ouvidos, treinados, não a ouvissem há muito. Ali estavam, naquela parte dos seus sonhos, as melodias de que mais gostava – os belos trinados das andorinhas. Tinha-lhes sentido a falta durante o Inverno, muito embora os ratinhos lhe tivessem vindo aplacar um pouco o vazio dessa perda. Só um pouco mesmo, porque ainda não lhes conseguira deitar as garras, o que o andava a deixar ansioso.
Agora ali estavam elas a gozar o sol, encavalitadas nos fios telefónicos que sobrevoavam o pátio até à parede da casa. Trepou avidamente o poste de suporte da alpendorada até ao telhado, para as fitar mais de perto. Eram duas, e as canções que cantavam enfeitiçaram-no como cantos de sereias. Ah, maviosos tons! Que maravilhosa cor e aroma delicioso que o sol lhe vinha trazer! Bendito sol, bendito céu azul onde moravam os seus sonhos. Um dia ainda haveria de voar como elas…
08/03/2024
A Casa dos Ratos 4
(anterior)
Os ratinhos na sua gaiola
Vão brincando e vão sonhando
Que um dia, não sabem quando
Mas um dia, qualquer dia
Hão-de roer e roer
Ou esticar, ou encolher
Mesmo a muito doer
E passar
De dentro para o outro lado
Debaixo dos bigodes do gato
Que os vigia deitado
Dolente e anafado
À espera de os caçar.
Desengane-se o gatarrão
Que não. Bem pode esperar sentado.
Da prisão à liberdade
Há grades com frestas estreitas
Que os separam do mundo
Aqui têm o que comer
Túneis por onde correr
Camas fofas e quentinhas
E enfeites ao pescoço
E lá fora o perigo espreita
Mas isto de se ser rato
Tem muito que se lhe diga…
Não é com fitas e laços
Nem com uma qualquer espiga
Numa gaiola bonita
Que se prende um ratinho.
A ânsia de aventura
Da frescura da noite ao luar
De liberdade e tontura
A roer o seu belo manjar
Será sempre o que perdura
Para lá de qualquer fechadura
Que teime em o agarrar.
(continua)
Os ratinhos na sua gaiola
Vão brincando e vão sonhando
Que um dia, não sabem quando
Mas um dia, qualquer dia
Hão-de roer e roer
Ou esticar, ou encolher
Mesmo a muito doer
E passar
De dentro para o outro lado
Debaixo dos bigodes do gato
Que os vigia deitado
Dolente e anafado
À espera de os caçar.
Desengane-se o gatarrão
Que não. Bem pode esperar sentado.
Da prisão à liberdade
Há grades com frestas estreitas
Que os separam do mundo
Aqui têm o que comer
Túneis por onde correr
Camas fofas e quentinhas
E enfeites ao pescoço
E lá fora o perigo espreita
Mas isto de se ser rato
Tem muito que se lhe diga…
Não é com fitas e laços
Nem com uma qualquer espiga
Numa gaiola bonita
Que se prende um ratinho.
A ânsia de aventura
Da frescura da noite ao luar
De liberdade e tontura
A roer o seu belo manjar
Será sempre o que perdura
Para lá de qualquer fechadura
Que teime em o agarrar.
(continua)
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