Quem não tem dinheiro não tem vícios.
Num rasgo de lucidez, Alcides decidiu parar.
As contas continuavam a amontoar-se. Jogar, que começara por ser um hobby, passou a ser um meio de tentar arranjar dinheiro pra pagar as dívidas, mas acabou por ser um vício que as amontoou ainda mais. Um beco sem saída, um precipício, um abismo.
Há caminhos que, quando percorridos desenfreadamente, levam ao abismo. À noite. À escuridão. À morte. Quem gasta mais do que aquilo que pode pagar cairá, com certeza, nas mãos daqueles a quem fica a dever. Depois não se pode queixar de que a vida lhe foi madrasta. Não. Ele é que não soube fazer da vida sua mãe, porque fechou os olhos e os ouvidos quando ela o procurou ensinar. Pensou ser maior do que ela e que já nada tinha que aprender. Era maior e vacinado. Já sabia tudo. Ela era antiquada, não era do mundo de hoje.
São assim muitos filhos em relação aos pais quando pensam que já sabem mais do que eles e dispensam a sua sabedoria de experiência feita. São assim os homens em relação à História quando a olham como passado velho e gasto que passou e nada mais. Que os tempos de hoje são diferentes, muito diferentes… E quem não avança recua. E é verdade. Até é verdade. Mas tem que se ver muito bem por onde se vai avançar. Porque nem todos os caminhos são de fiar. É claro que qualquer um se engana (até o GPS pode falhar). Quem nunca se enganou que atire a primeira pedra. Mas há que ter a coragem de ver e admitir o erro, parar e voltar atrás.
Alcides parou. Fez-se-lhe stop. Parou. O sinal de STOP avermelhou-se-lhe na cabeça e espalhou-se-lhe pelo corpo retesando-lhe os músculos, paralisando-lhe o sangue nas veias e deixando-o branco de morte. E pensou. Que vida era aquela sua que em nada se parecia com vida? Como que uma quase dormência que o trazia sedado, amarrado a um mundo de alucinação. Uma mentira. Uma mentira real, ou uma real mentira era o que era.
Parar, só quando se dá de caras com um sinal de stop numa barragem intransponível, é chegar ao limite sem se ter dado tempo para apreciar qualquer paisagem pelo caminho. E a travagem tinha sido tão brusca que o deixara descalço e esfrangalhado. Ainda atordoado viu que não dava para continuar, mas o caminho para trás podia ser longo e pedregoso; bastante penoso para se fazer sem calçado. E mais branco ainda ficou. Deixou-se, assim, ficar no chão, a pensar que sozinho não era capaz de sair daquela situação. Melhor sorte teria ao cair no abismo agora, atirar-se já. Se vida não era, morte seria.
Mas alto lá! Stop! Morte, sim, mas não a dele. Mate-se o vício que esse é que tem que morrer. Pois ele, Alcides Baptista, ressuscitaria para a vida. Não seria, se calhar, de um dia para o outro… nem ao terceiro dia, mas a vontade firme de vencer, que lhe ressurgia como aurora, não era um viciozeco que lhe a havia de tirar!