29/06/2009

História da Carochinha

A mãe mandou-me varrer a cozinha. E eu varri-a. Mas, no fim, ralhou comigo porque tinha ficado toda mal varrida. Eu acho que ficou bem, mas ela diz que deixei lixo atrás. Não vejo onde, mas pronto, ela tinha que implicar. Nada nunca está à vontade dela.
“Era uma vez uma Carochinha que achou 5 tostões quando varria a cozinha.” Era assim que começava a história que eu tinha bordada no bibe quando andava na terceira classe. E a Carochinha aparecia com uma vassoura na mão a varrer. “Comprou fitas e laços e pôs-se à janela.” E aparecia a figura da Carochinha à janela. “Quem quer casar com a Carochinha, que é tão linda e bonitinha?”
As minhas colegas, no recreio da escola, faziam roda à volta de mim com o meu bibe na mão a ver os bonecos bordados e a ler: “Passou o gato: miau, quero eu!”… “Passou o cão, ão, ão, quero eu!”… “Mas ela não quis!”…
Gostava de me sentir o centro das atenções quando levava o bibe vestido para a escola. Sentia-me uma Carochinha enfeitada com fitas e laços. Agora, que sou mais crescida, não é assim. A mãe parece que faz, cada vez mais, de propósito para me fazer sentir um Patinho Feio… e sem vontade própria. Ela é que sabe; ela é que faz; ela é que manda. Mas ela não sabe nada. Continuo a sentir-me o centro das atenções, mas por motivos contrários: sinto-me desprezada na maneira como me faz vestir. E não sou só eu que o sinto, já mais alguém o notou, que eu bem o ouvi cochichar.
Mas chegará uma altura em que ela não mandará mais em mim. Hei-de arranjar um modo de ser eu própria a vestir-me à minha maneira, para ficar bonita como a Carochinha…

04/06/2009

Como é que se estuda?

- A Matemática é coisa para homens. – Respondeu a Júlia à minha pergunta sobre as notas dos testes.
Faltei uns dias às aulas porque estive doente com papeira e tive que ficar em casa. Por isso hoje, de regresso a estas lides, perguntei, ansiosa, às colegas pelas notas dos testes. Fiquei a saber que, no geral, não foram lá grande coisa e que tive negativa no teste de Matemática.
Negativa?!... Não queria acreditar, mas elas insistiam. Como era possível ter negativa se o teste me tinha corrido bem? Se eu achei as equações e os problemas tão fáceis e os resolvi como se fossem a coisa mais simples deste mundo? Desconsolada e nervosa não via a hora de saber o que é que tinha errado.

Tocou para a entrada e, desta vez, fomos para uma sala do primeiro andar. Geralmente temos sempre aulas no rés-do-chão, logo na primeira ou, por vezes, na segunda sala porque na turma há uma menina, a Ana, que anda de muletas. Tem um aparelho no corpo todo por causa de uma doença que teve em bebé e que lhe causou aquela deficiência. Todas a ajudamos, mas ela habituou-se a isso e parece que anda a abusar de nós. Começou a ficar muito teimosa e só quer que lhe façam todas as vontades. Há dias atirou com as muletas para longe porque se chateou com uma das colegas. Hoje duas empregadas tiveram que a levar ao colo, pela escada acima, para que pudesse ir para a sala de aula, enquanto ela se debatia por teimar em ir sozinha. Às vezes não há quem a entenda! Mas também não sei por que nos levaram para o primeiro andar, se sabem desta dificuldade da Ana, mas decerto terá havido algum motivo forte.

Houve um ruge-ruge entre nós quando entrámos na sala. Era da parte da tarde, estava calor, e percebeu-se um odor abafado e estranho que nos empurrava para fora. Abriu-se logo as janelas; o burburinho tornou-se conversa aberta: que desagradável! Cheirava a rapazes.
- Silêncio, meninas! – Assim pôs, o professor, termo às conversas.
Não tardou muito para que ele se dirigisse a mim. Senti um enorme calor no rosto, prevendo a vergonha pela qual iria passar. Começou a colocar-me questões sobre os problemas e as equações do teste, ao que eu respondi sem ter dificuldade, segura do que respondia. Depois entregou-me o teste. Nessa altura tive a surpresa com que não contava: vinte valores!
Pois se eu sabia que me tinha corrido bem! Mas nunca pensei que fosse possível ter acertado tudinho. Por isso é que as colegas me mentiram, para ver como eu reagiria… se me atrapalhava… mas enganaram-se. Ficaram foi cheias de inveja! Ah! Mas foi muito bem feito!
Ainda há pouco, no recreio, me confrontaram novamente, perguntando-me se eu teria copiado. Copiado?! Eu não copiei! Nunca fiz isso! Mas como é que se copia num teste? E ainda, para mais, num teste de Matemática? E não têm saído de volta de mim, a querer saber como é que eu estudo… que lhes ensine a estudar Matemática. Mas aí, eu não tenho como as ajudar, pois também não sei. Eu, simplesmente, não estudo Matemática. Eu apenas faço os exercícios todos.

(Publicado em: Memória Alada, 2011)

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