06/06/2024

História da Carochinha

A mãe mandou-me varrer a cozinha. E eu varri-a. Mas, no fim, ralhou comigo porque tinha ficado toda mal varrida. Eu acho que ficou bem, mas ela diz que deixei lixo atrás. Não vejo onde, mas pronto, ela tinha que implicar. Nada nunca está à vontade dela.
“Era uma vez uma Carochinha que achou 5 tostões quando varria a cozinha.” Era assim que começava a história que eu tinha bordada no bibe quando andava na terceira classe. E a Carochinha aparecia com uma vassoura na mão a varrer. “Comprou fitas e laços e pôs-se à janela.” E aparecia a figura da Carochinha à janela. “Quem quer casar com a Carochinha, que é tão linda e bonitinha?”
As minhas colegas, no recreio da escola, faziam roda à volta de mim com o meu bibe na mão a ver os bonecos bordados e a ler: “Passou o gato: miau, quero eu!”… “Passou o cão, ão, ão, quero eu!”… “Mas ela não quis!”…
Gostava de me sentir o centro das atenções quando levava o bibe vestido para a escola. Sentia-me uma Carochinha enfeitada com fitas e laços. Agora, que sou mais crescida, não é assim. A mãe parece que faz, cada vez mais, de propósito para me fazer sentir um Patinho Feio… e sem vontade própria. Ela é que sabe; ela é que faz; ela é que manda. Mas ela não sabe nada. Continuo a sentir-me o centro das atenções, mas por motivos contrários: sinto-me desprezada na maneira como me faz vestir. E não sou só eu que o sinto, já mais alguém o notou, que eu bem o ouvi cochichar.
Mas chegará uma altura em que ela não mandará mais em mim. Hei-de arranjar um modo de ser eu própria a vestir-me à minha maneira, para ficar bonita como a Carochinha…

15 comentários:

Jorge Freitas Soares disse...

Todos crescemos algum dia.. para terminar a perceber.. que afinal..ela tinha razão.

Belo texto
Jorge

antonio ganhão disse...

Estas histórias estão a melhorar de dia para dia... esta está particularmente feliz. Parabéns.

Isabel José António disse...

Querida Amiga Fa menor,

Este post revela um grande paradoxo, de difícil resolução.

A experiência dos mais velhos é, sem dúvida, uma mais mais valia para a resolução das coisas práticas. Mas a experiência não cria nada de novo.Quando muito recria o que já foi inventado.

Por outro lado os mais novos tâm sede de ter experiências, de saber como tudo funciona, e lançam-se nessa descoberta sem nenhum discernimento. E, ainda mais, precisam fazer essas experiências pois sem as quais não saberão quase nada.

Mas a verdadeira sabedoria está em ir para além do que é conhecido. Sem se fazer esse salto, não se cria nada de novo.

Como fazer para proporcionar evolução aos mais novos (ir em busca do que é desconhecido)ou (obrigar a façam as coisas com base na nossa experiências)?

Talvez que, nestas situações, nos ajude saber que a estrutura da vida está assente nas partículas infinitesimais muito mais pequenas que o átomo. E estas têm ritmos de vibração vários. Umas vezes mais velozes; outras mais moderados.

E assim, os pais, os educadores, têm como obrigação, perante os jovens, de informar, dirigir e umas vezes autorizarem, segundo o seu critério e outras não autorizar. Quer se autorize quer não, dever-se-á explicar sempre os porquês e e ser-se firme, depois de tomar uma decisão. Mas, se durante o processo, o educador verificar que errou, não deverá continuar no erro, pois a isso chama-se cegueira. Sempre com carinho e amor e com lealdade.

Parace-me que assim, embora possa ser difícil esta via, a consciência do educador fica em paz, concorre para a interacção e fomenta fortes sentimentos de amizade.

Um grande abraço

José António

jo ra tone disse...

...e essa "altura" chegou... anos poucos mais tarde.
Quem diria!
Hoje és o centro das atenções por motivos ...favoráveis
claro.

Uma dentadinha

jo ra tone

antonior disse...

Gosto de estórias curtinhas, como desenhos ou esboços, que nos dão uma pausa, para pensar, recuar, avançar...e a reflexão é um espelho, é memória, é desconhecido.

Por aqui também anda o fantasma de Freud que tentou dar resposta a perguntas mal formuladas, porque bem feitas, não teriam esperança de ser respondidas.


Crescer é como viver cada dia. Adultos, continuamos a crescer, não por fora, só por dentro, cada dia percebendo que ontem éramos mais pequenos. Mesmo quando sentimos o declínio por fora, continuamos a crescer. E vamos aprendendo que não há respostas. Há muitas verdades. A nossa é uma no meio das outras. Um dia percebemos que o importante não é saber quem tem razão. O importante é que a nossa razão esteja bem com a nossa consciência, sirva aquilo que acreditamos estar bem. E ninguém nos pode impedir de lutar para viver de acordo com a nossa razão.

Filoxera disse...

Razão da mãe ou da filha, o certo é que cada uma tem a sua vida e a filha tem de ir assumindo as rédeas da sua, à medida que a idade progride.
Beijos.

Valdemir Reis disse...

Amiga passando e compartilhando:
O valor da amizade?
“Quantas vezes são os amigos que nos fazem sorrir quando tínhamos vontade de chorar, mas a sua simples presença traz de volta o sol a brilhar em nossa vida.
Entretanto, não existe só alegria, amor, felicidade nesta relação que como em qualquer outro relacionamento, passa por crises passageiras, por momentos intempestivos, abalos ocasionais.
Podemos comparar esse elo de amizade ao tempo que passa por alterações climáticas constantemente, mas é dessa forma que aprendemos a nos conhecer, compartilhar momentos, que se desenvolve uma amizade.
É na amizade verdadeira que encontramos sinceridade, lealdade, afinidade, cumplicidade, simplicidade, fraternidade.
Amigos são irmãos que a vida nos deu para caminhar conosco ao longo da nossa jornada espiritual, extrapolando os limites do tempo, continuando quando e onde Deus assim o permitir.” Autora: Sandra Q. Nogueira
Permita deixar um recado o nosso Blog www.valdemireis.blogspot.com foi indicado para participar do “CONCURSO TOP BLOG CATEGORIA VARIEDADES”. Fique a vontade. Honrado e feliz, antecipadamente agradeço por sua visita e voto, meu muito obrigado!!! Desejo um ótimo fim de semana, muitas bênçãos, paz, saúde e proteção, brilhem sempre! Fique com Deus. Encontrar-nos-emos sempre por aqui. Sucesso.
Valdemir Reis

vida de vidro disse...

O crescer é isso... rebelar-se, fazer do nosso jeito e um dia perceber que estamos a fazer o mesmo que aqueles contra quem nos rebelámos. É o ciclo da vida. **

vieira calado disse...

Ora bem...

Histórias da carochinha!


Bjs

Maria Soledade disse...

Olá Carochinha! Será que varreste mesmo bem a cozinha??Esse lixito não terá ido pa debaixo do tapete pa acabares mais depressa?!!

Ah, que linda carochinha me saíste tu!! Pois é minha Linda, crescer é isso mesmo! É levar com os adultos até ao dia em que perceberes que se calhar a Mãe até tinha uma razãozita...ADOREI esta estória da Carochinha tão bem desdobrada por uma FA...MAIOR!...

Muitos beijinhos minha Linda/Nunca pares de escrever...És fantástica sabias?!!...

Roselia Bezerra disse...

Boa noite de Paz, querida amiga Fá!
Tão bom quando resolvemos nos assumir sozinhas. Prova nossa maturidade.
Um conto muito gracioso e instiga à leitura.
Tenha uma nova semana abençoada!
Beijinhos com carinho fraterno

Ane disse...

Quando crianças os adultos é que mandam, são mais experientes e cuidam de nós, mas sempre ansiamos por fazer nossas próprias escolhas.
Beijos nas bochechas!
(●ˇ∀ˇ●)

Sérgio Santos disse...

Belissimo texto!!!E reflexivo.

Kinga K. disse...

Bonito texto :D

Juvenal Nunes disse...

O vestir-se desta ou daquela maneira implica com a nossa auto-estima e isso deve ser considerado.
Abraço de amizade.
Juvenal Nunes

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