27/09/2009

Tatuagens Escondidas [1]

A morte... ainda não consigo escrever sobre isto com tranquilidade. Mas forço-me a fazê-lo nestas páginas soltas deste quase-diário. Preciso de espantar os meus fantasmas, resolver ou perdoar-me as minhas culpas, desfazer as tatuagens escondidas.
Primeiro foi a Princesa, a gatinha branca que conhecia os meus passos, que miava para mim como se estivesse a falar comigo, que se coçava nas minhas pernas para dar e receber mimo; depois foi o avô, que passava as tardes sentado na cadeira no patim, junto de quem eu brincava de o imitar a abrir a boca, e que me ensinava lengalengas e as primeiras letras; recentemente, a avó, a minha maior amiga, da qual eu ainda não consigo deixar de sentir um peso no peito e um nó na garganta. Pelo meio, um menino vizinho que estava doente, e também a outra avó, mãe da mãe, mas dela não tenho marcas tão fundas porque não passava tanto tempo com ela, só a via mais ao domingo depois da catequese. Quando morreu, há uns anos, eu fiquei a brincar no jardim até ser severamente repreendida; foi quando percebi que se não se podia brincar era porque a morte era um acontecimento muito triste e sisudo, em que se tinha de chorar, estar sempre a chorar, mesmo que naquela hora não se sentisse vontade. Então eu pensava que havia alguma coisa errada comigo, por preferir ficar no jardim, sem conseguir aguentar aquele ambiente de tristeza e choro em que eu, menina sempre tão chorona por tudo e por nada, me sentia triste e muito abalada, mas não conseguia chorar.

17 comentários:

  1. Esse rio, sempre coberto por neblinas de prata só atravessado esclarece o mistério das margens. Os viajantes , dele sentem temor e evitam aproximar-se. Mas todos os caminhos lá vão dar, suavemente ou com um ranger de ossos.
    A água que corre é de lágrimas feita, das lágrimas que não conseguimos chorar...

    Beijinhos

    P.S. - Respondi aos comentários do post “Amarelo – O Pequeno Tigre” na mesma página em que foram feitos

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  2. Passei para te deixar um terno beijo...

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  3. "Because I could not stop for Death,
    He kindly stopped for me;
    The carriage held but just ourselves
    And Immortality."... /

    Porque fazer convite à morte eu não podia,
    Ela gentil veio buscar-me;
    A carruagem só levou nós duas
    E a Imortalidade.
    ..... Emily Dickinson

    Não precisamos ter medo da morte, nem esperá-la, pois virá, com certeza, um dia, para todos, sem distinção.
    Difícil é aceitar ver nossos mais queridos partirem, mesmo que o tempo nos queira ajudar...
    Beijinhos.

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  4. Anónimo10:24

    Não foi decerto o momento mais apropriado para ler este post. Não foi uma gainha que me morreu...antes fosse. Desculpa este comentário negro, mas a minha alma está negra também.

    Quanto à âncora, recolhida, quer dizer que provavelmente estaremos à deriva...e iremos continuar a estar.

    Um beijo amigo.

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  5. O choro não vem quando queremos...
    Por vezes não conseguimos chorar , ainda que precisemos faze-lo.
    Beijito.

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  6. Muito bem descrito, o contacto dos jovens com a morte - sempre uma aprendizagem dificil. E será qua alguma vez aprendemos?

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  7. porque para eles, morrer é simplesmente... e ainda bem que assim é!

    deixo-te um beijo de ternura, fá

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  8. Gosto deste teu tom intimista, de diário. Fico à espera de mais...
    Em criança também me aconteceu o mesmo com a morte de um familiar. E aprendi com os adultos. Mas passei a chorar apenas quando uma morte me dói (embora às vezes o faça discretamente num filme, por exemplo, se a morte é de uma criança).
    Querida amiga, um beijo.

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  9. . da morte resumo a curva que se avista para a amplitude da transposição .

    . a mudança . porque tudo o que vive é ampla.mente imortal .

    . grat.íssimo pela visita ao Intemporal .

    . deixo um beijo .

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  10. Fá,
    Por muito que isso nos custe, temos que procurar encarar a morte como uma passagem para outro estadio, e tentarmos desdramatizá-la o mais que nos for possível, por muito que a dor às vezes pareça insuportável.
    Bjs.

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  11. o toque de mestre num tema de uma enorme ambivalência.... o aprender a ser ... ou o saber ser

    a VIDA



    .
    um beijo

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  12. Não se pode esperar lágrimas ou tristeza de uma criança. O sentir não é compartilhado diante da morte. Esse é um tema muito difícil de ser abordado. Bjs.

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  13. Gostei muito de ler, Fá amiga.
    Vou estar ausente por algum tempo.
    Tudo bom para si. Beijinhos
    ~~~~~~

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  14. Todos nós temos recordações tristes - amigos que partiram, familiares que nos deixaram, animais (que eram mais que família) a quem tivemos de dizer adeus...
    Cada um tem o seu modo de reagir à perda - chorando ou engolindo as lágrimas.
    Quanto à minha própria morte, penso nela de vez em quando. Encaro-a com serenidade, sem, contudo, deixar de esperar/desejar que se mantenha longe por bastante tempo.

    RE: Obrigada pelos votos de melhoras deixados lá no meu canto.
    Um grato abraço.

    Uma semana feliz.
    Beijinhos
    MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS

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  15. Que tristeza bem construída

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  16. Texto forte e reflexivo.

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  17. Gosto de ler esses relatos porque vejo que não sou só eu que sou intensa e vivo a escrever... e muitas são as noites que o sono não vem e os pensamentos não váo ... vira-se de um lado a outro mas só depois de muito pensar é que os olhos fecham ... e a morte Fá ? e isso mesmo _ penso muito e as lágrimas vem sem que se queira, .Estou com uma sobrinha com uns quarenta anos na plenitude da vida, e sofreu um AVC (acidente vascular cerebral) , imagina como estão minhas noites que para esquecer fico escrevendo e a insônia me deixa frágil demais e totalmente devastada .O que melhora é quando escrevo ,o que nem sempre é bom porque extravaso e extravaso demais ... então, ela está bem assistida e com certeza a sequela há de ser menor com a fisioterapia e o amor ao redor . Desculpe, te falar sobre tristeza mas seu texto me emocionou e fiquei a lembrar das minhas insônias. Tenha uma noite de descanso , querida amiga e meu abraço.

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Truman Capote diz:
«Quando se trata de escrever,
acredito mais na tesoura do que na caneta.»...
Mas eu escrevo aqui por entre o imaginado e o sentido; e
«Entre meus rabiscos e minhas ideias há um mundo de sentimentos.» (Marcelle Melo)
.
Leia pf: Indicações sobre os Comentários

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