14/08/2008

Marcas… de água

A avó foi sempre uma mulher muito religiosa. Com ela aprendi, muito cedo, muita da doutrina que só iria aprender, mais tarde, na catequese. Agora, que já sou mais crescida, começou a falar comigo de mulher para mulher. Eu, ainda um pouco envergonhada pelo que ela me conta e ensina, começo já a sentir-me uma rapariga crescida. Nunca a mãe ousou falar comigo destes assuntos de mulheres. As coisas que ela já me contou! Nem sei se deva reproduzir tudo, pois são coisas de me fazer corar. Se a mãe sabe pode ficar aborrecida, com o génio que tem! Mas a avó diz que eu tenho que saber estas coisas, que são muito importantes para uma mulher. Ela contou-me que há meninas com a minha idade que já são mulheres e que eu também posso ser brevemente. Ser mulher quer dizer que irei ter a menstruação uma vez por mês. Esta é um sangramento que indica que o meu corpo está preparado para poder vir a ter filhos. Por isso, não me convém que eu brinque com os rapazes, porque as mulheres devem ser recatadas, e eles não têm que saber nada disto.
Ela contou-me que, no seu tempo, as meninas não sabiam de nada e eram apanhadas de surpresa quando sangravam pela primeira vez e algumas ficavam aterrorizadas a pensar que iam morrer. Mas com ela foi diferente. Contou-me que foi mulher muito tarde. Tinha quase vinte anos, já namorava até o avô, e menstruação nada. Foi preciso ir para a praia, no Verão, durante quinze dias. Lá, um banheiro dava-lhe banho no mar todos os dias logo pela manhã, que ela até engolia uns pirolitos. Como eu não sabia o que eram pirolitos, ela explicou. O que me lembrou o que um amigo das minhas outras duas primas também há dias me fez.

Estas minhas primas, a Graciete e a Sílvia, são filhas da minha tia Rosária, irmã da minha mãe. Alguns domingos, depois da missa, fico com elas toda a tarde. Num destes domingos fui com elas e os tios à praia. E foi lá que encontraram o tal amigo. Este queria brincar a empurrá-las para dentro das ondas. Elas fugiam e como ele não as apanhava, fui eu que paguei. Pegou em mim ao colo e mergulhou-me numa onda enorme. Como eu não estava a contar, engoli muita daquela água salgada, não só pela boca mas também pelo nariz, que até me engasguei toda. É isso que é engolir um pirolito.

Com os banhos na água do mar, a avó ficou, finalmente, menstruada pela primeira vez. Diz que sangrou tanto que a melhor solução que encontrou foi a de vestir umas ceroulas do pai dela, porque diz que no seu tempo as mulheres não usavam cuecas. Perante a minha cara de espanto, ela pareceu-me um pouco embaraçada, mas lá foi contando que as saias eram compridas e que usavam uns saiotes que, nessas alturas, enrolavam às pernas presos com um alfinete.
Pronto, não me parece que deva entrar em mais pormenores. Mas que ela me tem ensinado muito... isso tem!

(Publicado em livro: Memória Alada, 2011)

16 comentários:

Justine disse...

São de uma ternura infinita, estes teus texto!

**Viver a Alma** disse...

Salvé amiga
Tem na festa onde eseve um agradecimento meu - assim como a todos. fico muito grta om as suas palavras. uanto a este seu post...as avós sempre tiveram muito que contar e o mar...esse tem lendas de encantar e males a curar.
Deixo um abraço
Mariz

Carol disse...

Muito interessante este teu texto.
Lembro-me perfeitamente dessa conversa com a minha mãe e do facto de ela ter sido a escolhida, pelas minhas tias, de ter essa conversa com todas as minhas primas!

Pierrot disse...

Giro o texto
As avós, sempre as avós!
Aprendemos tanto sem saber bem de onde, nem quando...
Voei mas regressei
Saudades
Bjos
Eugénio

S. disse...

hehe essas conversas são sempre tão engraçadas, depois de alguns anos e a recordarmos!

beijinho*

O Profeta disse...

Fecham-se as janelas de poente
Acenderam-se os luzeiros no céu
A cidade desperta para o arraial
Uma noiva procura o perdido véu

Os acordes da Banda no Coreto
Uma tuba marca o compasso
O clarinete dança na calmaria
O Maestro solta gestos no espaço



Bom fim de semana



Mágico beijo

Paulo disse...

De passagem....
Paulo

Anónimo disse...

Eu não me queria repetir... mas não me ocorre mais nada. Adoro este conto.
Escreves com as palavras, a ternura, a inocência de uma menina e a sabedoria de uma mulher. Juntas tudo de uma forma que parece simples escrever como fazes... mas não é. Acho que é das formas mais difíceis. Não te podes dar a ares de intelectual, não podes usar palavras caras, não podes complicar. E complicar é que é mais fácil...
Parabéns!!! Lindo!

Beijocas!

Pequito Romero disse...

Pois, vá-se lá saber como ... mas há sempre alguém que descobre os nossos outros mundos dentro do nosso mundo!

Obviamente que aquele recanto será, aqui e ali, mais "apimentado", com mais "salero" e, sob o disfarce das ideias sem tino, à procura da polémica e da discussão!

Gostei que tivesses topado o meu outro eu ...

Majo Dutra disse...

Belos tempos e como os reproduz bem!

Parece realmente uma menina!

Beijinhos
~~~~~

" R y k @ r d o " disse...

Penso que muitos pais, em particular a mãe, deveria(m) preparar os filhos, em particular as filhas para a mudança do seu corpo a partir de determinada idade.

Não é como certa mãe que dizia: Filha nunca te deites por baixo do teu namorado pois é uma vergonha para a nossa família.
Um dia a rapariga chega a casa e diz: Mãe a partir de hoje é uma vergonha para a família do meu namorado, deitei-me em cima dele. (lol)

Essa da menstruação é uma das coisas que todas as mães deveriam falar sobre...com as filhas
.
Tenha um dia feliz
Cumprimentos poéticos

Porventura escrevo disse...

Gosto da referencia a truman capote
:-)
Envolve o blog no clima certo.

Ana Freire disse...

Um texto delicioso, que nos dá conta, de como tudo era vivido noutros tempos... e nos tempos de agora... o problema mantem-se... agora com esta súbita guerra, vi esta semana, estarem a pedir ajuda para produtos de higiene íntima para serem oferecidos, pois é algo, que as pessoas não se lembram de que faz realmente falta no universo feminino...
Um beijinho, Fá! Bom fim de semana, com saúde para si e todos os seus!
Ana

O Árabe disse...

Muito bom, Fa! Adoro o teu jeito de escrever, amiga! Vivas as sábias vovós... e aqui vai uma informação que provavelmente não sabias e fez-me lembrar a infância: esses que chamas "pirolitos", aqui no Brasil chamam-se "caldos". Muitos sofri, em garoto! :) Meu abraço, boa semana.

J.P. Alexander disse...

Buena reflexion te mando un beso.

MM - Lisboa disse...

As nossas avós têm sempre uma importância enorme nas nossas vidas. E têm tanta sabedoria dentro delas..
Beijinho.

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