Noventa e seis anos bem medidos. Com genica, como só ela.
É a genica que a vai mantendo sempre activa. Semeou favas bem cedo, como de costume todos os anos (diz que cavar faz bem: “é para fazer ginástica aos ossos”), e vai observando as faveiras a crescer de dia para dia, enquanto espera, com alguma ansiedade, que brotem as favas.
Manda. Continua sempre a mandar: em tudo e em todos. “Vocês, hoje em dia, nem sabem que vivem no mundo!... é só lambarices: chicolates e diogurtes… e para quê?... andam sempre doentes e a tomar remédio, quanto mais mimosos são, pior! Eu cá não tomo nada!!!... mas também ninguém passa o que eu passei!…: quem é que andava, hoje, acarvada no campo a mondar arroz… para trazer meia dúzia de tostões?!... e chegava-se ao meio dia, e comer umas batatitas azedas!...; hoje, os novos, é só competadores e não fazem mais nada que é só falar com aquilo nas orelhas… passam a vida nisto. Sabem lá o que é a vida?!”
Se a contrariam, ou lhe tentam dizer que a vida de hoje também tem sacrifícios… “Vocês podem dizer o que quiserem que eu não oiço nada… daqui a pouco estou que nem vejo nem oiço!” Mas ainda vê, não muito bem, mas vê (e lê, e escreve com letra bonita, se estiver de feição: “E eu cá nunca usei óculos!”) e ouve… o que lhe convém. “Olhem, Deus queira que vocês cheguem à minha idade e estejam como eu estou!”
Tem Apoio Domiciliário por parte da IPSS local, mas quando chega o dia da limpeza da habitação tem já os tapetes e passadeiras todos fora e o balde prontinho com água e detergente para as “alimpadeiras” lavarem o chão.
– Ó senhora Maria, então não quer ir para o Centro de Dia?
– Para lá fazer o quê? Não tenho paciência para estar lá sentada sem fazer nada, como elas lá estão, bem mais novas do que eu, e que ainda podiam tão bem trabalhar, mas o corpo não lhe apetece!
Em tempos, quando o marido vivia, ia com ele para lá todos os dias, para lhe fazer companhia, e porque no Verão iam alguns dias à praia, e a praia era do melhor que lhe podiam oferecer. Mas eram mais os dias em que se aborrecia e, depois do almoço, deixava lá o marido e desatava a pé para casa. “Aquilo não é vida para mim”.
– E depois, quem é que tratava das galinhas da minha filha? Se não fosse eu, deixavam-nas morrer todas com fome!
No ano passado, as primeiras favas foram dela.
– Já cozi e comi uma pratada de favas que me regalei!
– Então, e comeu as favas com quê?
– Com quê?!... olha, com quê!!... com azeite!!!
(Envelhecimento activo - história da vida real)
15 comentários:
Conheces alguém assim, amiga? A minha Mãe está com 91 e continua lúcida e disposta. Uma verdadeira dádiva, que todos os dias agradeço a Deus. Boa semana!
Boa noite Fá, fabulosa história de vida! Eram outros tempo, em que a vida embora muito dura era mais saudável. Ar livre, muito exercício (até demais). A alimentação muitas vezes, como neste caso que narra "favas com azeite"! Na minha aldeia faleceu há pouco tempo uma senhora com 106 anos:))! Beijinhos Ailime
Gostaria muito de chegar à idade dela, mas com esse espírito!
Muito comovente, parabéns pela homenagem a quem envelhece assim...!
Beijo
Uma linda história de vida, tomara eu chegar assim á idade dela, a velhice é uma coisa que muito me preocupa hoje em dia...
Bjs
Uma dádiva! Que o Alto a conserve para teu conforto e para haver alguém que te contrarie com AUTORIDADE, não é?
Fico feliz por ti, por poderes contar esta História de Vida, com... muita Vida.
Beijos
SOL
Há muito poucas pessoas a chegar aos 96 anos ainda activas e sem dependerem dos outros. Mas há cada vez mais... a longevidade está a dar os seus frutos bem depois dos 90 anos.
Fá, tem um bom fim de semana.
Beijo.
Hoje as pessoas vivem muito mais tempo do que antigamente ! Mas só vale a pena viver em boas condições físicas e mentais e com esse espírito ! Mas eu não gostaria de viver tantos anos , porque a velhice assusta-me !
Felicidades .
.
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. "folhas marcadas" de uma ternura infinita .
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. é sempre um prazer passar por aqui . onde encontro os sentidos . sempre . à flor da pele . ou . à tona d`água .
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. muito obrigado . por este tanto .
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. um beijo . sentido .
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Favas com azeite, pois claro. Com o que havia de ser? Tive uma bisavó assim, morreu com mais de 100 anos, espero que os bons genes tenham chegado a mim :)
Beijinho e um doce restinho de semana
Ruthia d'O Berço do Mundo
liçoes de vida
vivida
beijo
Importante é poder chegar bem a maior idade, beijo Lisette.
Minha querida
Que bela história de vida e chegar a essa idade com essa força de viver é muito bom, assim merece a pena.
Um beijinho com carinho
Sonhadora
*
Fá
,
Adoro favas,
gosto,
que está ao nível,
deste texto !
,
uma favada de conchinhas,
deixo,
*
Gente da "velha guarda", de outro material que já não existe nos nossos dias. Muito bom! Delicioso!
Esta história faz-me lembrar uma tia também idosa que odeia fazer pic-nic. De cada vez que a convidamos esclarece:"- Se tivessem de comer uma sopa de toucinho rançoso debaixo de chuva, no meio do campo não queriam nunca mais fazer pic-nic. Se no verão a comida vos picasse a língua devido à quantidade de formigas que nadavam lá dentro...ai filhos vocês sabem lá!! Eu cá fiquei fartinha de pic-nic."
Bem hajam pessoas assim.
:) Outros tempos, Laura Fontes...
e, nestes nossos tempos, não sabemos o que nos pode vir a acontecer...
Grata pela visita e comentário!
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