31/07/2014

Arrepiar Caminho II


Escuto mas não sei 

Se o que ouço é silêncio 
Ou deus

Escuto sem saber se estou ouvindo 
O ressoar das planícies do vazio 
Ou a consciência atenta 
Que nos confins do universo 
Me decifra e fita

Apenas sei que caminho como quem 
É olhado amado e conhecido 
E por isso em cada gesto ponho 
Solenidade e risco 
(Sophia de Mello Breyner Andresen) 

Acho que vou aventurar-me um pouco mais para cima, quero conhecer este lado do caminho. 
Começo, na dezena, os Mistérios Gloriosos. Subo mais um pouco para lá da curva, o que estará para lá? Será alguma estrada que vire depois à esquerda, para ir dar àquela capelita? Mas não, não encontro nenhum indício disso. Agora é a direito em estrada de areia lavada pela chuva; ali mais à frente vislumbro uma cortada à direita, quem sabe se não irá desembocar num outro caminho, do lado de baixo, que eu conheça? Experimento. Até porque é já um pouquito tarde para voltar para trás antes que se faça noite. Sigo por aí, é sempre a curvar à direita; sim, deve ir dar lá a baixo. Aperto o passo, afoitando-me por este caminho de sulcos de rodas de tractores, por entre pinheiros e matos. 

Nem dou pelo que a floresta pode em si encerrar. As florestas e os matagais são mães e pais de muitos bichos: rastejantes, roedores; com asas; corredores; dos que trepam às árvores; dos que perfuram a terra; dos que têm tocas; dos que fazem ninhos; lobos, raposas, cobras e lagartos; formigas; abelhões e outros que tais; monstros; lobisomens; ladrões e salteadores… e tantos outros dos que ouvimos falar nos telejornais. Ah, mas não. Isto só me aflorou à mente de raspão. Não vou pensar mais nisso. Aqui, não. Não há aqui nada disso. Sob os meus pés sorriem pequenas flores, dentro dum relvado verdinho, é macio este caminho.

Este caminho é cheio de metáforas. 

A mão vai passando as contas e há alguém que vai rezando; não me parece ser eu… talvez o meu coração. Porque a cabeça, essa, levita, abstraída, sei lá, pela paisagem bonita. Ave Maria, cheia de graça…

15 comentários:

  1. Estes teus capítulos de "Arrepiar caminho" são interessantes, pois sei por onde vais mas não sei para onde vais...
    Vou-te seguindo, mas não era eu que rezava...
    E estou a gostar, muito.
    Fá, tem um bom domingo e uma boa semana.
    Beijo.

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  2. Os Caminhos são insondáveis. O rasto que nos precede diz da nossa direcção.
    Andar, com o sentido numa busca que nos orienta a Vida, não pode ser de calculismo material.
    Bom! Muito bom.



    Beijos



    SOL

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  3. Muito interessante, sim!
    Caminhos de poesia, metáforas e fé...

    Beijinho

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  4. Sempre a procura de algum melhor...
    Beijo Lisette.

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  5. Minha querida

    O caminho faz-se caminhando e logo vemos onde vai dar, entretanto rezamos para que seja o certo.
    Adorei como sempre.

    Um beijinho com carinho
    Sonhadora

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  6. Todos os caminhos estão cheios de metáforas. Obrigada pela sua bela visita.
    Fá, fique com Deus!

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  7. Sim, este caminho é cheio de metáforas... mas não são assim todos os caminhos da nossa vida? :) Boa semana, Fa!

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  8. Continua caminhando, com alguma solenidade e risco, mas sem prescindir das metáforas com que nos encantas...
    Beijinho, voltarei para te acompanhar neste trilho!
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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  9. Interessa caminhar com fé e serenidade...
    Uma boa reflexão, Fá.
    Beijinho
    ~~~~

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  10. Fiz-te companhia nesse caminho cheio de metáforas. Sophia de Mello, a senhora do mar e da Natureza. Gostei muito das visões descritas!

    Beijinhos

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  11. Fá!
    Adorei viajar nessa caminhada!
    Nessas metáforas!
    E se for preciso rezar, reza - se para atenuar a dor!
    Um beijinho iluminado!🌼🌻🌹
    Megy Maia🌈

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  12. Uma lindeza de versos escolheu. Sempre estamos a orar por caminhos floridos, mesmo quando existe uma interrogação na jornada. Bjs.

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  13. Uma verdadeira metáfora prolongada
    Gostei

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  14. Poema lindíssimo que me fascinou ler. Intenso e profundo. Também escrevi sobre o caminhar
    Cumprimentos poéticos

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  15. Uma verdadeira metáfora da vida... todos ansiamos por encontrar um caminho florido, sem sobressaltos de maior... mas são bem poucos os que o conseguem verdadeiramente achar...
    Um poema belíssimo de Sophia que tão bem se harmonizou com o seu poético sentir, Fá!
    Beijinhos
    Ana

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Truman Capote diz:
«Quando se trata de escrever,
acredito mais na tesoura do que na caneta.»...
Mas eu escrevo aqui por entre o imaginado e o sentido; e
«Entre meus rabiscos e minhas ideias há um mundo de sentimentos.» (Marcelle Melo)
.
Leia pf: Indicações sobre os Comentários

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