27/09/2009

Tatuagens Escondidas [1]

A morte... ainda não consigo escrever sobre isto com tranquilidade. Mas forço-me a fazê-lo nestas páginas soltas deste quase-diário. Preciso de espantar os meus fantasmas, resolver ou perdoar-me as minhas culpas, desfazer as tatuagens escondidas.
Primeiro foi a Princesa, a gatinha branca que conhecia os meus passos, que miava para mim como se estivesse a falar comigo, que se coçava nas minhas pernas para dar e receber mimo; depois foi o avô, que passava as tardes sentado na cadeira no patim, junto de quem eu brincava de o imitar a abrir a boca, e que me ensinava lengalengas e as primeiras letras; recentemente, a avó, a minha maior amiga, da qual eu ainda não consigo deixar de sentir um peso no peito e um nó na garganta. Pelo meio, um menino vizinho que estava doente, e também a outra avó, mãe da mãe, mas dela não tenho marcas tão fundas porque não passava tanto tempo com ela, só a via mais ao domingo depois da catequese. Quando morreu, há uns anos, eu fiquei a brincar no jardim até ser severamente repreendida; foi quando percebi que se não se podia brincar era porque a morte era um acontecimento muito triste e sisudo, em que se tinha de chorar, estar sempre a chorar, mesmo que naquela hora não se sentisse vontade. Então eu pensava que havia alguma coisa errada comigo, por preferir ficar no jardim, sem conseguir aguentar aquele ambiente de tristeza e choro em que eu, menina sempre tão chorona por tudo e por nada, me sentia triste e muito abalada, mas não conseguia chorar.

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