24/11/2014

Subir O Caminho III


Tenho de ir em busca da fonte perdida. Este pensamento traz nova estrelinha que me ilumina, nova brisa que me sopra, nova bússola que me aponta o norte. Já outra vez a força se aproxima de mansinho e a energia quer começar a vir ao de cima. 

Já sei aonde irei! Hoje vou adentrar pela folhagem mais verde, onde as aves fazem os ninhos; onde há minas de águas puras e as rãs cantam em redor; onde brotam resquícios de quimeras, memórias de antigas Primaveras; onde a magia se alimenta de olhar as folhas ao vento. 

Levanto-me, tomo o pequeno-almoço e vou. 

Vou – ainda que pelo meio de canaviais e de silvas a ladear o carreiro atapetado de ervas. A vida é uma perpétua busca, rasgada de interrogações e de improvisos. 

Vou. Furo os silvados a arranharem-me os braços, encho as calças de carrapiços de tantas ervas bravas – quem anda no meio de abrolhos acaba com espetos nos pés – mas sigo em frente, pois muito embora a passagem esteja diferente – como tudo se deteriora e altera num instante! –, tenho a certeza de que dantes era por aqui o caminho, e sei também que “quem busca encontra” (Mt. 7, 8)

E mesmo pelo meio dos espinhos, sem sequer bem saber o que irei encontrar, a alma diz-me para ter fé. Terceiro Mistério Doloroso – a coroação de espinhos. 

Levo pela trela o meu companheiro de sempre. Não o solto, não vá ele correr atrás de algum coelho e se perca na paisagem que desconhece. Já outras vezes, por outras paragens, correu esbaforido à descoberta e depois já não deu mais comigo, só foi ter a casa mais tarde. Para mais, disseram-me que algures por aí foram montados laços para caçar javalis… não vá ele cair nalgum. Assim, ainda que lhe custe, e também a mim, pois puxa daqui, repuxa dali com uma força tal – já certa vez se enrolou a mim e me fez cair, até magoei dois dedos da mão –, que tenho que ir sempre a refreá-lo e a ralhar-lhe: “Snoopy, ao lado!”, “Snoopy, espera!”, “Snoopy, devagar!”…, o que não me permite vagar tranquilamente. 

E é nisto que, depois de uma cortina de canas mais cerrada, os olhos me mostram uma espécie de enseada. A fonte? É além. Além, logo abaixo da pequena escada de pedra gasta, que está parcialmente encoberta por uma barreira de silvas e ervas daninhas que se pegam à roupa. 


Senhor, 
É maravilhoso o perfume das flores, 
mas também as ervas daninhas têm a sua fragância. 
Cada um tem o seu lugar para crescer e desabrochar. 
E isso é belo...
Senhor, 
introduz-me no teu coração 
como se fosse uma semente. 
(Angela Toigo, Um rato fala com Deus)

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