Nos vitrais, a chuva embate com alguma violência.
Colo o rosto à janela e sorvo o ar pálido da noite.
Vindo da cozinha, atravessando a parede do quardo, o crepitar da lareira e o tilintar da loiça que a mãe lava no alguidar.
Estas noites rasgadas pela ventania conjugam sonhos que vão esvoaçando.
As cortinas de chuva ocultam o rapaz do luar, que não ousa sair à rua debaixo do temporal. Decerto estará sentadinho ao borralho, a queimar o feixe das vides que ontem carregava às costas, espetado na forquilha.
A casa da tia, ali mesmo à frente da minha janela embaciada, assim vista de lado e com o seu depósito da água no terraço, é um castelo.
O rapaz do luar lá se resolveu a voar por entre os rochedos das nuvens, montado no seu cavalo alado. Ui, como é veloz! Atrás de si, deixa um rasto luminoso que percebo lá ao longe.
Colo o rosto à janela e sorvo o ar pálido da noite.
Vindo da cozinha, atravessando a parede do quardo, o crepitar da lareira e o tilintar da loiça que a mãe lava no alguidar.
Estas noites rasgadas pela ventania conjugam sonhos que vão esvoaçando.
As cortinas de chuva ocultam o rapaz do luar, que não ousa sair à rua debaixo do temporal. Decerto estará sentadinho ao borralho, a queimar o feixe das vides que ontem carregava às costas, espetado na forquilha.
A casa da tia, ali mesmo à frente da minha janela embaciada, assim vista de lado e com o seu depósito da água no terraço, é um castelo.
O rapaz do luar lá se resolveu a voar por entre os rochedos das nuvens, montado no seu cavalo alado. Ui, como é veloz! Atrás de si, deixa um rasto luminoso que percebo lá ao longe.
Um trovão!... ponho-me à escuta... um barulho chega até mim através da parede do quarto. Os pais discutem novamente... as vozes alteradas provocam-me um sentimento que não consigo descrever. O meu coração começa a ficar apertado, sufocado, não cabe no peito e quer saltar para fora de mim. Atiro-me de bruços para cima da cama e envolvo o corpo nas cobertas. Começo a soluçar, dando vazão às lágrimas libertadoras. Lembro o conselho da avó, quando lhe confidenciei a amargura do meu coração, "reza, filha, reza...".
É isso que faço, procurando abstrair-me de tudo o mais.
O candeeiro acaba por ficar sem petróleo, a torcida quer apagar-se. A tempestade parece finalmente ter acalmado. E o gato, enroscado no tapete de retalhos que a avó me fez, faz tempo que deixou de passear o rabo pelo meu pé que espreita o soalho, e dorme agora a merecida soneca, depois de ter caçado o ratito que saltou de trás do cadeirado.
É isso que faço, procurando abstrair-me de tudo o mais.
O candeeiro acaba por ficar sem petróleo, a torcida quer apagar-se. A tempestade parece finalmente ter acalmado. E o gato, enroscado no tapete de retalhos que a avó me fez, faz tempo que deixou de passear o rabo pelo meu pé que espreita o soalho, e dorme agora a merecida soneca, depois de ter caçado o ratito que saltou de trás do cadeirado.
(Publicado em: Memória Alada, 2011)
16 comentários:
olá Fa, não conhecias estes teus retalhos, que me parecem tão reais, tão vividos.
Gostei muito, mesmo muito de te ler neste registo!
Beijinhos!
Gostei aqui do ensaio, muito bem.
Gosto da cor dos seus retalhos e rabiscos. Fico à espera de mais.
Por vezes a tempestade não vem lá de fora, mas de dentro daquelas paredes que deviam proteger-nos... e aí fica o coraçao apertado, nao com medo da chuva lá de fora, mas dos trovões que vêm de dentro...
Um beijo grande amiga
Querida Fá,
o texto é incrível!
descreve com clareza e verdade situações vividas.
Me vi em alguns relatos.
Me coloquei em todos os lugares da história.
vi meus filhos em seus soluços...
Me vi, na agressão.
Abraço, Deus cuide de você.
Lindo o teu texto. Gostei!
Um texto de uma tão grande riqueza descritiva... que parece que somos... a própria personagem!... E que estamos lá... naquele quartinho... presenciando as tempestades da vida!...
Pura maravilha, Fá! Beijinhos! Por estes dias, estarão umas palavrinhas suas, lá em destaque, no meu canto!
Continuação de uma feliz semana!
Ana
Muito grata, Ana, pela atenção e amizade!
Para si também, continuação de uma boa semana!
Beijinhos.
Também tenho memórias dessas. De chuvas copiosas que demoravam dias e dias. E assustava-me os coriscos. As claridades são fascinantes mas perigosas. Ainda hoje.... e não é para menos.
Também Há tempestades dentro de nós, que nos fazem sofrer e muito!
Relembrei os meus tempos de criança e gostei.
Beijinhos amiga e bos semana.
Adorei o magnífico texto, também tenho memórias do candeeiro a petróleo e o gato enroscado no tapete de retalhos, quando se fartava dava uma corrida para a lareira,era tão giro...
Bjs
Buen relato muy realista te mando un beso
Gostava de cinseguir criar pedaço de prosa assim,cativanres.
E manifestamente nao consigo
Gostei
Talvez nao fosse tao descritivo na experiencia de escrita
Mas foi intensa. Muito
Gostei demais de te ler.
O rapaz do luar é fascinante...
Estas noites de tempestade sempre nos
fazem pensar e lembrar dos sonhos esquecidos.
Boa continuação de semana!
Ane :-D
De Outro Mundo
Texto deslumbrante que me fascinou ler. Deixo o meu elogio.
.
Saudações poéticas
.
Pensamentos e Devaneios Poéticos
Um dos teus retalhos mais intimista e interessnte...
Uma tempestade sempre causa algum incómodo ou aflição, por mais cómodo que se esteja.
Gostei de ler, querida amiga. Beijinho
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