29/09/2023

A Casa dos Ratos 7


O Tonecas andava de trombas, como se fosse mau. 
Tinha-se fascinado com os rituais de acasalamento do par de andorinhas empoleiradas no estendal do telheiro, mas já estava a ficar farto. Eram cantorias para um lado, cantorias para o outro, pulinhos daqui para ali, dali para aqui, mais um pequeno voo para acolá, e depois mais outro para acolí, só visto! E, então, as melodias eram cada vez mais elaboradas, e ele não gostava nada de se ver como “segundo violino”, ainda por cima desafinado. Se era para andar nessas vidas, melhor seria não aprender a voar. Ná, ele não tinha jeito para isso. Gostava de ser o dono da situação: de lançar os seus longos miados, naquelas noites de luar de Inverno, em cata de alguma fêmea das redondezas; e ao sol da Primavera queria era caçar. Pássaros de telhado, pardais e ratinhos dos campos, ratinhos do celeiro… ratinhos! ah, os seus ratinhos da gaiola… como se esquecera deles?! Aquelas andorinhas tinham-no tirado do sério. 
Avançou por cima do telhado, lançando um último olhar, como um adeus, àquelas esganiçadas aves, que tanto o tinham feito sofrer, e desceu pelo poste que segurava o telheiro.

Foto

05/09/2023

A Casa dos Ratos — intermezzo (6.1)



Depois de muito matutarem cada um para seu lado, os ratinhos reuniram-se enroscados no ninho e guincharam uns aos outros o que cada um tinha pensado. Era preciso encetar a fuga: consenso, veredicto!
Havia de ser bonito! Assim não podiam continuar! Era mais que altura de passar o pé, marchar!

Era hora, agora, de orquestrar uma estratégia com pés e cabeça, para que a evasão fosse bem sucedida, pois estavam fartos de sonhar com uma vida livre, mas a verem-se atados de pés e mãos, sem se atreverem a pôr pé em ramo verde.
Então, com o pé no estribo, mas de pés de lã, que é como quem diz: pé ante pé; e a pé firme, haviam de dar com os pés àquela vida que lhes tinham imposto do pé para a mão. Com muito cuidado, sem pôr os pés na argola, quer dizer: não podiam perder o pé, nesta altura de pôr-se em pé e agir! Fugir, pois, é a única solução, bater o pé ao patrão; ele que pensara protegê-los, mas os tinha aprisionado fazendo deles diversão.
 
Se bem o ditaram, melhor o haviam de fazer.
Era só procurar algum ponto mais fraco na gaiola e roer. Alargar uma fresta e, ala!, zarpar!
Lá fora haveria um largo mar, uma praia, uma casa grande a explorar. Oh, música para os seus finos ouvidos! Já se viam todos idos, à larga, no bem bom e bem bebidos.

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