Valha-me Nossa Senhora,
Mãe de Deus de Nazaré!
A vaca mansa dá leite,
a braba dá quando quer.
A mansa dá sossegada,
a braba levanta o pé.
Já fui barco, fui navio,
mas hoje sou escaler.
Já fui menino, fui homem,
só me falta ser mulher.
Valha-me Nossa Senhora,
Mãe de Deus de Nazaré!
(Ariano Suassuna, Auto da Compadecida)
A estrada é larga. Asfaltada.
Ouso o caminho quando o sol se reclina, por cima das ramagens, em direcção ao mar. Deixo a estrada principal e desço a ladeira íngreme – via semi-nova, pouco movimentada – rumo à natureza, levando pela trela o meu camarada de passeio. Uns metros adiante, solto-lhe a trela para o deixar correr à sua vontade, agora que a estrada é só para nós.
Faz-se bem este caminho, em modo de passeio, sempre a descer.
A dezena vai-me rolando entre os dedos da mão direita, enquanto os pés vão pisando o asfalto negro na sede da caminhada. Mistérios Dolorosos.
Lá em baixo, no vale, onde o arvoredo se torna mais denso, o meu amigo já anda a farejar as bermas da encruzilhada, enquanto espera que eu lhe indique a direcção a tomar. Hoje vamos virar à esquerda, sempre pelo asfalto, deixando o caminho da direita, em terra batida, para percorrer amanhã. Ainda ao longe, faço-lhe sinal com a mão e ele avança resoluto. Gosta de ir sempre à frente, no comando, como se fosse ele o dono da viagem, e eu permito-lhe esse gosto.
Uma ligeira subida e deixamos o asfalto para trilhar o caminho da floresta que nos fica do lado esquerdo. O caminho é nosso conhecido de outras caminhadas. Descemos agora. Ele corre; eu vou ficando um pouco para trás, assobiando-lhe de tempos a tempos, para que não pense em dispersar-se por outros lugares que não o caminho que levamos. Na bolsa, que levo a tiracolo, enfio a trela – que já me cansa na mão esquerda – e tiro a máquina fotográfica para tirar umas fotos a uns maciços de cogumelos que me surpreendem o olhar, que grande alfobre nasceu aqui!
Continuo. No próximo cruzamento lá está ele novamente à minha espera, olhando-me ansioso. Indico-lhe a subida, à direita, e seguimos quase lado a lado, agora que é a subir. A meio da ladeira há um carreiro à esquerda, por onde já fomos uma vez, até uma pequena capela; e uma curva à direita na continuação desta estrada de pedra sobre pedra. Bordejam-na alecrins, rosmaninhos, silvados de amoras ainda verdes e algumas flores cor-de-rosa de chícharos-selvagens. Tiro mais umas fotos – este mundo é um jardim que me seduz!
Guardo a máquina fotográfica e penso que está na hora de voltar para trás, porque já andámos a metade do tempo que determinei para esta caminhada, e é preciso fazer outro tanto tempo no mesmo caminho de regresso, antes que se faça noite. Mas…
E quem de nós uma vez na vida não teve de arrepiar caminho?
ResponderEliminarO que muitas vezes assusta já não é a distância mas a necessidade de retroceder sem enganos procurando dar amais sentido à caminhada.
Boa noite Fá, como sempre fabulosa a sua narrativa!
ResponderEliminarÉ um gosto acompanhá-la neste trajecto tão rico em aromas e cores da natureza, como se fosse um quadro vivo!
Um beijinho e bom fim de semana.
Ailime
Os Caminhos são para serem percorridos com, ou sem, companhia.
ResponderEliminarO importante é que o rumo seja certo e seguro para que o regresso se torne em satisfação.
Bom texto. Parabéns.
Beijos
SOL
Uma excelente narrativa , que li com muito prazer !
ResponderEliminarObrigada pela partilha !
Bela narrativa, abraço Lisette,
ResponderEliminarQuerida Fá
ResponderEliminarAs palavras e a música... o sonho..
Beijo
Daniel
Adorei fazer metade desta caminhada contigo. Como o teu cão, também aguardava que dissesses para que lado íamos em cada cruzamento...
ResponderEliminarTambém gostei do poema inicial. Não conhecia.
Fá, tem um bom fim de semana.
Beijo.
Ariano Suassuna e um belo texto de Fa Menor...vou encerrar a tarde numa boa.
ResponderEliminarBeijinhos!!!
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ResponderEliminar.
. a.setembro.me de véspera . posso ? . :) .
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. é urgente arrepiar(mos) caminho . sim .
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. um beijo meu .
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... mas às vezes não dá vontade de voltar, não é? :) belo texto, Fa; às vezes, vale a pena arrepiar caminhos! Boa semana.
ResponderEliminarO caminho tem seu encantos mas, se longo, há sempre a volta a preocupar rss. Um texto encatador. Bjs.
ResponderEliminarHá caminhos que valem a pena percorrer bem boa companhia!
ResponderEliminar🤚👍💋
Arrepiar caminho parece ser a sina de qualquer português
ResponderEliminar😊
Que delicada postagem, Fá.
ResponderEliminarAdorei este poético passeio, em que saltitei atrás de cada palavra sua... feito de encanto e de responsabilidade! Voltar para trás, a tempo, é preciso... mas... onde será que este mas nos pode conduzir?...
ResponderEliminarFica a semente da curiosidade, já a desenvolver-se para um próximo passeio...
Beijinhos
Ana
🪶Olá Fa,
ResponderEliminar🌾 Neste domingo, que a claridade te acalme,
🌾 Que a tarde se estende em uma brasa tenra,
🌾 A mente em clara estadia, longe do tumulto cinzento,
🌾 Em um jardim de paz que o dia embeleza.
🌾 E que o teu coração brilhe como um céu sem nuvens.
Tomei a liberdade de me convidar para sua lista de amigos,
eu convido você com grande prazer em meus universos tão abaixo
https://les-murmures-de-velours.blogspot.com
https://lencredesnuitseternelles.blogspot.com
📜 Beijos💋 🅁🄴🄶🄸🅂 🐾⛱♡
A volta, pelo mesmo caminho, é a garantia de que nada ficou de ser visto.
ResponderEliminarAmei o jeito como você conta uma história! Amei, de verdade!!!