11/08/2019

Subir o Caminho VI

Sento-me por momentos numa pedra na encosta a meio da ladeira íngreme, ofegante de cansaço; à minha volta, fragrâncias húmidas de terra e de musgos. As pedras, castanhas de terra, gemem pequenos fios frescos prateados. Por baixo de uma pedra espreita um pequeno lagarto, ou lagartixa – nem sempre sei bem distingui-los; e por entre outras, pequeninas flores. Até no meio das pedras, Deus faz brotar as mais belas flores. Para que se aprenda a sorrir e se esqueçam, ainda que por momentos, as dores. Para além da meta que se pretenda alcançar, é preciso saborear os bons momentos do caminho.

Ergo-me, depois de inspirar o pequeno descanso. No meio do caminho a pedra ficou.
A pedra. E as outras pedras.

As pedras, que são tão essenciais aos alicerces! – sem alicerces somos construção frágil, que em qualquer altura está sujeita a ser levada pela menor ventania.

Pedras que tanto fazem parte do caminho! Continuam no meu trilho a querer morder-me os pés na subida.
Temos que saber aproveitar as pedras em nosso favor, e contornar as que são obstáculos... é o que faço, é o que tento sempre fazer!
A vida está longe de ser planície, embora também as tenha. Mas de montanhas e planícies se conjuga o verbo viver.
A vida, como os ramos de uma árvore, entrelaça-se nela própria e vai seguindo rumo à claridade. Uns ramos vão chegando ao fim do seu percurso, enquanto outros brotam e vicejam.
Por vezes os troncos de algumas árvores são castigados com pedras – pedregulhos – lá colocadas ao seu redor rente ao chão. Para quê? Talvez para que aprofundem as raízes à procura do melhor sustento e venham depois a produzir muitos e saborosos frutos – ouvi dizer.

E vou subindo. De vez em quando resvala-me, por baixo dos pés, uma ou outra pedrita que depois rola por ali abaixo, atrás de mim. Não faz mal. Eu prossigo a marcha. Subo. Por vezes como quem trepa. Tenho de subir. Nem que as mãos tenham que ir ao chão aqui ou ali, quando preciso for, para segurar, amparar, para que não me surpreenda alguma queda, mais ou menos aparatosa, e esfole os joelhos, ou a alma.
É dura a subida; mas sei que depois de subir, ainda terei de descer para voltar para casa. Eu sempre pensei que descer era mais fácil – “para baixo todos os santos ajudam”, não é? – Não, não é, afinal. Disseram-me que descer custa mais. Algumas vezes terei de descer de costas, escorregar sentada, com todo o cuidado, não vá cair ao desamparo, e o vazio venha a ser o ganho da jornada.

E andamos toda uma vida com algum vazio por preencher, a esfarrapar-nos contra esquinas de pedras agrestes que nos cerceiam. Quando, por fim, nos libertamos, tantas vezes ficamos mudos e quedos sem conseguir absorver a realidade.


«Quando as pedras frias
caem brancas e torcidas
sobre as palavras imperiais,
mordendo-lhes as raízes
como se fossem o contrário do que são,
fecham-nos a alma e ficamos sem saber
se as asas se quebram ou
se ficamos de pé à espera das próximas pedras.»
(José Maria Brito Sj)

16 comentários:

Ailime disse...

Boa tarde Fá,
Tão belo este seu texto!
A vida está cheia de pedras "não é planície", tantas vezes pedregulhos, escadas e degraus para subir e descer.
Também acho que descer é mais difícil e há uma fase da idade em que voltamos a ser bebés como no tempo em que aprendemos a andar.
Um beijinho e tenho que voltar aqui mais vezes.
Excelente semana.
Ailime

edna figueiredo disse...

Olá querida Fá.
O texto é lindo!
A vida, realmente tem caminhos pedregosos...
Em alguns momentos, encontramos curvas, subidas difíceis de ser concluídas, buracos onde muitas vezes caímos...
Mas, a vida é linda!
Um aprendizado a cada curva, cada subida ou descida.
Beijos, deus cuide sempre de ti.

Majo Dutra disse...

Uma bela inspiração para o seu conto em género de parábola...
Subir é preciso, sempre!
E as pedras que tanta utilidade têm!
Ou servem para descansar, ou para arremessar, magoando as árvores,
que criam raízes mais fundas.
E as pedras brancas retorcidas! Gostei de conhecer José M Brito Sj
Aplaudo o 'post' e agradeço a boa leitura.
Beijinho, minha Amiga.
~~~~

alfacinha disse...

Que linda leitura
A vida com as suas dificuldades nem sempre está bonita
Abraços

Ana Freire disse...

Uma maravilha de prosa... em que tantas analogias com a própria vida, se vão avistando e apreciando, nesse seu percurso... que adorei ler, Fá!
Beijinhos! E até breve!... Se não houver novidade, aqui estarei de novo, também neste cantinho, lá para meados de Outubro!
Tudo de bom!
Ana

Larissa Santos disse...

Um texto fabuloso:))

Hoje, de uma forma mais rápida, de maneira a chegar a todos. Espero a compreensão de todos. Cheguei.

Bjos
Votos de uma óptima Segunda-Feira

By Me disse...

Descer e subir, é assim mesmo... ziguezagueando caminhos, atalhos! Parece que ouço o respirar da terra, ouço o rolar das pedras, vejo-te agarrada às raízes e subitamente veio-me à mente Os contos exemplares de Sophia de Mello, mais especificamente; A Viagem. Se ainda não tiveste oportunidade de ler, aproveita agora e sentirás a verdade das palavras e das paisagens!

Beijinhos

Anónimo disse...

Que texto fantástico...amei!
Beijinho
:)

Jornalista Douglas Melo disse...

Fá...
Dos Teus espaços na web, esse foi o que mais gostei, por isso passei a seguir.
Belos escritos, bem distribuídos no calor dos sentimentos.
Breve volto para ler os teus textos mais antigos, pois, aqui encontrei leitura de qualidade.
Beijos!
Douglas

Ulisses de Carvalho disse...

Pedra é acesso ao infinito! Diferente de nós, feitos de carne, elas não murcham sob ou sem a água. Um abraço!

Olinda Melo disse...


Olá, Fá

Texto belo. Com tanto para lermos e meditar.
Pedras, partir pedras, para chegarmos mais além.
E depois o caminho de volta.
Andar é preciso. É fundamental caminhar o que
tivermos de caminhar.

Beijos
Olinda

Sérgio Santos disse...

Sempre muito bonito, Fá. Tenha um lindo fim de semana.

Kinga K. disse...

Es muy complicado como toda la vida...

Amélia disse...

Parabéns pelo fabuloso texto.
Adorei ler.
Beijinhos, continuação de boa semana

Franziska disse...

Un relato de una subida por el monte que se va haciendo mientras miramos con atención todo lo que está vivo y cuya presencia se llena de significado. Es una conversación filosofica de la autora con el propio camino de su vida, de sus experiencias y de sus experiencias: experiencias que son verdades compartidas por todo el que quiera prestarle atención a su propia vida, con la importante observación que el descenso es más peligroso que la subida y es, precisamente, en el hecho de que el cuerpo casi vuela en las bajadas porque la atracción, la fuerza de gravedad, facilita ese descenso. En esa facilidad, nos aguarda el auténtico peligro. Muy bueno. Un abrazo.

Porventura escrevo disse...

Um caminho pode ser feito e descrito de tantas formas

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