O velho moinho de vento, no cimo do outeiro, com aquelas sapatilhas enormes a girar, desde sempre alimentou as minhas fantasias de criança, como uma lenda…
O Gigante, que lá mora, fora em tempos uma criança feliz, como qualquer criança. Mas quando começara a crescer demasiado, deixara de ter amigos por o julgarem diferente. Os colegas troçavam dele, fazendo piadas acerca do seu corpo grande e esquisito. E ele, ao sentir a rejeição, começou a ver-se com outros olhos, a notar que não era igual às outras crianças, às outras pessoas, e isolou-se do mundo, desenhando para si um outro mundo à sua medida. Os pais passaram a ser o seu único consolo. Estes, com todo o seu amor, protegiam-no, mimavam-no e faziam-no esquecer os colegas da escola que o haviam maltratado.
Começara a trabalhar no moinho, ajudando o pai a moer o trigo e o milho das freguesas e, depois que o pai falecera, assumira esse trabalho por inteiro. Restara-lhe a mãe ainda por algum tempo, mas depois esta partira também deixando-o ainda muito jovem. Desde aí não mais soubera o que era um carinho. A solidão era a sua constante companhia.
Continuava a transformar em farinha os pequenos grãos das mesmas freguesas de sempre, mas ninguém lhe dispensava mais do que as palavras estritamente necessárias. E ele fechava-se num mutismo azedo e carrancudo que assustava ainda mais. Não fosse a necessidade daquela bela farinha, produzida naquele luminoso moinho, e ninguém se daria ao trabalho de subir a colina.
Mas o Gigante não era só aquele monte enorme de ossos e músculos, de cara fechada e empoeirada de farinha, que às vezes até parecia um fantasma. Ele era sensível e sofria. A solidão doía-lhe no íntimo do seu coração cada vez mais apertado.
Os anos iam passando por ele monotonamente, numa sucessão de dias sempre iguais, tornando-o num jovem adulto a quem tinham sido roubados os sonhos. Não sabia o que eram festas, romarias, comemorar a Páscoa ou o Natal. Sabia que existiam, mas não tinha direito a isso.
Nesta altura do ano, ele apercebe-se, pelo frio que faz e pelas encomendas maiores de farinha, que o Natal se aproxima. E fica ainda mais triste e solitário, mais infeliz e revoltado, mais amargo e mal-humorado. Tão gigante e tão frio que a todos afugenta cada vez mais.
Mas aquele gelo andava prestes a ser quebrado.
E quebrou. Derreteu completamente, começando a pingar-lhe daqueles olhos da cor do mel, quando Maria, de sorriso a bailar nos lábios carnudos, lhe colocou nas mãos duas broinhas de Natal.
Todo o seu semblante se transformou, parecendo reviver nele a magia da sua infância. Aquela coleguinha, agora uma linda mulher, lembrara-se dele e viera para lhe colorir o seu mundo tão sombrio. Até parecia que os tristes raios de sol de Inverno, que entravam pelas frinchas do moinho, brilhavam com todo o ouro quente do Verão.
É por isso que agora ouço o Moinho das Sapatilhas entoar uma nova melodia ao vento.
O Gigante, que lá mora, fora em tempos uma criança feliz, como qualquer criança. Mas quando começara a crescer demasiado, deixara de ter amigos por o julgarem diferente. Os colegas troçavam dele, fazendo piadas acerca do seu corpo grande e esquisito. E ele, ao sentir a rejeição, começou a ver-se com outros olhos, a notar que não era igual às outras crianças, às outras pessoas, e isolou-se do mundo, desenhando para si um outro mundo à sua medida. Os pais passaram a ser o seu único consolo. Estes, com todo o seu amor, protegiam-no, mimavam-no e faziam-no esquecer os colegas da escola que o haviam maltratado.
Começara a trabalhar no moinho, ajudando o pai a moer o trigo e o milho das freguesas e, depois que o pai falecera, assumira esse trabalho por inteiro. Restara-lhe a mãe ainda por algum tempo, mas depois esta partira também deixando-o ainda muito jovem. Desde aí não mais soubera o que era um carinho. A solidão era a sua constante companhia.
Continuava a transformar em farinha os pequenos grãos das mesmas freguesas de sempre, mas ninguém lhe dispensava mais do que as palavras estritamente necessárias. E ele fechava-se num mutismo azedo e carrancudo que assustava ainda mais. Não fosse a necessidade daquela bela farinha, produzida naquele luminoso moinho, e ninguém se daria ao trabalho de subir a colina.
Mas o Gigante não era só aquele monte enorme de ossos e músculos, de cara fechada e empoeirada de farinha, que às vezes até parecia um fantasma. Ele era sensível e sofria. A solidão doía-lhe no íntimo do seu coração cada vez mais apertado.
Os anos iam passando por ele monotonamente, numa sucessão de dias sempre iguais, tornando-o num jovem adulto a quem tinham sido roubados os sonhos. Não sabia o que eram festas, romarias, comemorar a Páscoa ou o Natal. Sabia que existiam, mas não tinha direito a isso.
Nesta altura do ano, ele apercebe-se, pelo frio que faz e pelas encomendas maiores de farinha, que o Natal se aproxima. E fica ainda mais triste e solitário, mais infeliz e revoltado, mais amargo e mal-humorado. Tão gigante e tão frio que a todos afugenta cada vez mais.
Mas aquele gelo andava prestes a ser quebrado.
E quebrou. Derreteu completamente, começando a pingar-lhe daqueles olhos da cor do mel, quando Maria, de sorriso a bailar nos lábios carnudos, lhe colocou nas mãos duas broinhas de Natal.
Todo o seu semblante se transformou, parecendo reviver nele a magia da sua infância. Aquela coleguinha, agora uma linda mulher, lembrara-se dele e viera para lhe colorir o seu mundo tão sombrio. Até parecia que os tristes raios de sol de Inverno, que entravam pelas frinchas do moinho, brilhavam com todo o ouro quente do Verão.
É por isso que agora ouço o Moinho das Sapatilhas entoar uma nova melodia ao vento.
Conto que escrevi e enviei para responder a um desafio denominado Projecto CrioNatal 2008, para um livro de Contos de Natal.
15 comentários:
Um belo conto. Quanto do gigante que existe em nós pode ser aplacado com um simples gesto.
Boa contenção na escrita sem perde o seu fulgor.
Querida,
este lindo conto que foi escrito para este projecto podia muito bem ser dedicado aos "diferentes" mais propriamente aos autistas que criam o seu mundo, onde ninguém ou muito poucos os possam magoar sempre que refugiam nele.
Adorei, para mim pelo teor , conteúdo...foi o mais lindo texto até ao momento.
Obrigada e bom Natal
Sensibilizou-me sobremaneira o seu lindo conto de Natal. Tocante e terna, essa estória do gigante emociona e nos faz refletir acerca das pessoas que, tantas vezes, até mesmo sem perceber, discriminamos. O coração delas, sempre, chora quando isso acontece. É o momento certo para repensarmos nossas atitudes.
Deixo meus votos de Feliz Natal cheio de amor, paz e felicidade.
Gigantes são as tuas letras assim escritas, amiga Fa.
Um Santo Natal para ti e todos os teus.
Abraço amigo em Cristo
Lindo conto de natal
Gostarias de ver imagem original desse moinho?
Um dia pintá-lo-(h)ei para te oferecer
BJO
Lindo conto...
Feliz Natal!
Um belo conto.
Feliz Natal, para ti e para a tua família.
Beijinhos.
ADOREI Fa!Que falta faz o amor!
E como o gigante há muitos assim no mundo...
Senti a dor dele porque já passei por isso.
Abraços! ♥ ☾ ❀
Sabe bem ouvir a expressão "nova melodia". É como se a esperança estivesse em contínua eclosão.
(Há por aí muita criatividade, Fa. Há que partilhar.)
Abraço
What a pretty story. So heart touching. Have a great day!
Rampdiary
Olá, amiga Fá
Muito interessante conto para crianças. Gostei muito.
Deixo os meus votos de uma ótima semana com muita saúde e paz
Beijinhos, e feliz semana, com tudo de bom.
Mário Margaride
http://poesiaaquiesta.blogspot.com
https://soltaastuaspalavras.blogspot.com
Ainda bem que o republicaste, Fa! Neste época de Natal, bem precisamos desses contos, que fazem renascer a esperança e o amor! Meu abraço, amiga; boa semana.
Bonita história pra crianças
What a beautifully written and heartwarming story! The transformation of the Giant’s world from cold isolation to warmth and hope is truly touching. It’s a poignant reminder of the power of kindness and connection, especially during the holiday season. Maria’s simple gesture speaks volumes about how small acts of care can bring light to even the darkest of places. This tale will stay with me – thank you for sharing such a magical and emotional journey!
The Trendy Bride
Um retrato nu e cru sobre a exclusão, consequência, na esmagadora maioria das vezes, de uma educação familiar falha.
Um feliz Natal.
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